Milhões de americanos votarão nesta terça-feira para decidir quem será o próximo presidente dos EUA, Kamala Harris ou Donald Trump. E grande parte fará isso através de uma cédula de papel marcada à mão. Para nós, brasileiros, acostumados à urna eletrônica, o voto em papel soa quase rudimentar – principalmente quando o país em questão é a principal potência global. Mas, na visão dos americanos, o modelo tem a ver com segurança e facilidade, além de estar longe de ser uma ação completamente manual.
Quase 70% dos eleitores registrados já votaram ou votarão em cédulas de papel, de acordo com a Verified Voting, organização que promove o uso de tecnologia responsável pelo processo eleitoral. A maior parte dessas cédulas é contada usando scanners ópticos. Ou a leitura é feita manualmente no próprio local de votação, ou os votos são depositados em uma urna, que é levada para um centro, onde serão digitalizados nos scanners ópticos manualmente ou em lotes de alta velocidade, segundo a organização.
Outros 32,2% eleitores registrados votarão nas máquinas eletrônicas de registro direto (DRE, na sigla em inglês). Ao menos 0,1% poderão usar os Dispositivos de Marcação de Cédulas (BMD, na sigla em inglês), voltado para acessibilidade de eleitores com deficiência.
Os EUA têm cinco tipos de tecnologias de votação (algumas, não podem ser usadas em eleições federais) e um histórico de idas e vindas com a votação em papel. Até os anos 1800, os americanos votavam exclusivamente por cédulas de papel, mas sua confiança no método foi abalada na eleição de 2000.
Na época, os eleitores usavam um sistema de votação com cartão perfurado: uma caneta era usada para furar a cédula e sinalizar o candidato de sua escolha. A bolinha de papel que saía era chamada de “chad” (basta pensar nos estudantes fazendo folhas de fichário. Os “chads” são as bolinhas que caem da folha após o furo).
Autoridades locais da Flórida ficaram semanas analisando as cédulas cujos “chads” não tinham caído completamente, o que levantava preocupações se o voto do eleitor tinha sido registrado corretamente. Para evitar algo similar, o Congresso aprovou, em 2002, o Help America Vote Act, que eliminou o uso de cartões perfurados. A mudança foi o pontapé para que muitos estados passassem a adotar as máquinas eletrônicas de registro direto (DRE).
Esses dispositivos podem ter botões ou uma tela sensível ao toque (touch screen) e seus primeiros modelos registravam o voto inteiramente em unidades de memória interna, explicou a Verified Voting. O modelo se popularizou tanto que, até dez anos atrás, cerca de um quarto dos eleitores registrados viviam em locais em que usavam o dispositivo, de acordo com o Brennan Center For Justice, instituto sem fins lucrativos e que leva o nome do ex-juiz da Suprema Corte William J. Brennan Jr., que morreu em 1997.
Receios sobre o método foram externalizados ainda no início dos anos 2000, quando pesquisadores divulgaram estudos sobre possíveis vulnerabilidades, explorados posteriormente por políticos como Trump através de publicações recheadas de desinformação nas redes sociais. E então vieram as eleições de 2016, nas quais a Rússia foi acusada de propagar desinformação nas redes, ampliando de vez os temores.
A interferência russa – a favor de Trump – colocou em xeque as máquinas eletrônicas que não tinham um registro físico do voto, mesmo que as autoridades dos EUA não tenham encontrado evidências de que os resultados tivessem sido alterados ou comprometidos. Isso explica a volta do uso expressivo do voto em papel, que não chegou a ser abandonado por completo ao longo dos anos.
Hoje alguns DREs podem ser equipados com impressoras que permitem que o eleitor confirme o seu voto em uma cédula independente antes de registrar seu voto no computador, informou o Verified Voting. Esses cartões são preservados e, dependendo dos colégios eleitorais, podem ser contados em uma auditoria ou recontagem pós-eleitoral.
Já o dispositivo BMD, desenvolvido como uma resposta à exigência federal do Help America Vote Act para disponibilizar um meio para que eleitores com deficiência votassem com privacidade e de forma independente, também usa papel: alguns BMD marcam cédulas pré-impressas, enquanto outros imprimem resumos das escolhas do eleitor, geralmente com essas escolhas codificadas em códigos de barras ou QRcode.
Segundo o Brennan Center For Justice, as cédulas em papel podem facilitar auditorias pós-eleitorais, algo exigido por 48 estados. Nos estados-chave, que vão definir a eleição, os funcionários contam manualmente as cédulas e comparam com os registros dos votos eletrônicos para confirmar se as máquinas não apresentaram alguma avaria e contabilizaram corretamente os votos.
Para o centro, é o “melhor dos dois mundo”: “Os funcionários eleitorais usam máquinas de votação para contar todas as cédulas inicialmente porque são mais precisas, mais rápidas e mais baratas do que contar todas as cédulas manualmente, enquanto as verificações humanas confirmam se essas máquinas estão contando as cédulas corretamente.”
(AG)