A prova do primeiro dia do Enem teve questões com música dos Racionais, Adoniran Barbosa, além do filme “A Culpa é das Estrelas” e da série “Game of Thrones”. Neste domingo (3), os candidatos fizeram as provas de linguagens e ciências humanas, com 90 questões, além da redação.
O tema da redação é “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Segundo professores de cursinho que fizeram a prova, todo o exame foi permeado pela temática racial e étnica.
Uma das questões, por exemplo, tratou dos influenciadores negros, abordando a música ‘ Capítulo 4, versículo 3’ dos Racionais.
“Assim como no ano passado o grande tema abordado pela prova foi o papel da mulher, neste ano a prova foi permeada pela questão racial. Várias perguntas abordaram o abolicionismo, os povos quilombolas, o racismo”, disse Guilherme Freitas, professor de história da Escola SEB Lafaiete.
Uma das perguntas tratou do movimento Black Lives Matter, nos Estados Unidos.
Professores elogiam questões e redação
Luiz Otávio Ciurcio Neto, coordenador do Poliedro, disse que a prova acertadamente trouxe muitos textos com referência à cultura pop, o que traz identificação com o candidato. Mas sem deixar de lado textos e referências históricas importantes.
“A cultura pop surgiu em textos presentes tanto nas questões de linguagem como em humanidades, assim como textos literários de autores do século 19 e 20. A prova ainda incluiu questões sobre movimentos sociais contemporâneos, como o Black Lives Matter, e uma análise de um trecho da Constituição de 1988 sobre cidadania”, diz.
Uma pergunta também tratou do ‘soft power’ brasileiros com o uso de novelas. “A questão falava da influência da novela Escrava Isaura na Rússia e de Roque Santeiro, em Angola. Uma pergunta muito bem elaborada e interessante.”
Camila Feitosa, professora de história do Elite Rede de Ensino, disse que a prova teve um caráter interpretativo e com assuntos recorrentes de anos anteriores. “Questões como patrimônio, valorização de direitos humanos, Constituições e o progressivo crescimento dos direitos no Brasil, Vargas e Primeira República estiveram presentes.”
Pedro Rennó, professor de história, elogiou a estrutura da prova por articular episódios históricos com situações contemporâneas, além de tratar das questões de forma interdisciplinar.
“Em uma pergunta, o exame consegue pegar tanto história quanto sociologia, porque trabalha a Constituição de 88, mas fala de história dos remanescentes dos quilombos, então aí você já pode também ter a questão do vidas negras importam, que aconteceu no começo da pandemia, nos Estados Unidos. E isso tem reflexão no mundo inteiro.”
Lígia Albuquerque, professora de filosofia e sociologia do Elite Rede de Ensino, destacou uma das questões que abordou o rompimento da barragem em Mariana (MG). “A pergunta fazia uma reflexão sobre outras perdas provocadas pelo acidente, além das materiais.”
Segundo os professores, as mudanças climáticas e problemas ambientais também estiveram fortemente presentes na prova. Em geografia, por exemplo, uma das perguntas tratou dos tempos de alagamentos. Outra questão abordava a responsabilidade e papel que o Brasil pode ter para conter a destruição ambiental dentro do contexto da COP, que será realizada no Pará no próximo ano.
Redação: valorização da herança africana
Professores elogiaram a escolha do tema da redação do Enem por ser um assunto de extrema relevância social para os alunos.
“Com certeza o aluno vai pensar em aspectos relacionados ao racismo porque esse é um grande problema que a gente vive na sociedade brasileira e um desafio que impede a valorização da cultura africana e dessa herança africana”, disse Isabela Canella, professora de redação da Escola SEB Lafaiete.
Roberta Panza, professora de redação do Descomplica, disse que o tema proposta na redação não falava apenas sobre racismo, mas avançava na reflexão pedindo que o candidato falasse sobre a dificuldade que a sociedade enfrenta de valorizar a herança africana no Brasil.
“É pensar o quanto temos uma memória ancestral que segue sendo invisibilizada e desvalorizada tanto pelo corpo social quanto pela educação, que muitas vezes ignora a importância do ensino de literatura e cultura. Ou, também, que coloca essa valorização em momentos específicos do ano, como em novembro, mês da Consciência Negra”, diz.
ISABELA PALHARES/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)