Sentado no sofá, Buck folheia um álbum de fotografias. Lembranças do casamento do irmão. Ele para em um dos registros. Parece reconhecer aquele momento. Destaca a imagem e vê que ela estava dobrada. Na parte escondida, lá estava ele, fora não apenas do álbum, mas da vida daquelas pessoas. Dói, mas é bastante simbólico. Buck é um cara legal. Perdido, sim. Mas atire a primeira pedra quem nunca se sentiu dessa forma, deslocado, sem saber para onde ir… E a resposta, ao menos para o diretor John Hughes, que deixou isso claro inúmeras vezes em sua filmografia, sempre de forma doce e divertida, está no amor pela família.
“Quem vê cara não vê coração”, que revi no final de semana, é exatamente assim: um filme tocante sobre crescimento pessoal e responsabilidade afetiva. Durante uma emergência familiar, Buck é chamado como último recurso para cuidar dos seus três sobrinhos por alguns dias. Ele é aquele típico solteirão, avesso a compromissos, que quer apenas farrear e nunca se tornou um adulto de fato. Mas o seu maior medo se materializou na forma de Maizy e Miles, duas adoráveis fofuras (Gaby Hoffmann e Macaulay Culkin) que vão se apegar demais a ele, e Tia (Jean Louisa Kelly), uma adolescente rebelde que vai confrontá-lo ininterruptamente.
É na interação cotidiana entre tio e sobrinhos que somos envolvidos por aquela teia que Hughes tece tão magicamente quando o que está em jogo são sentimentos e como demonstrá-los – ou não. Ampliando, claro, o escopo. Afinal, embora haja aqui um conflito adolescente, especialidade do diretor, desta vez, ao contrário de “Curtindo a vida adoidado”, “Clube dos cinco” ou “Gatinhas e gatões”, alguns dos seus maiores clássicos, trata-se apenas de uma pequena parte do quadro maior. Não me entenda mal, continua sendo um filme para a família, contudo com uma pegada um pouco mais adulta, especialmente em sua temática.
John Candy, o intérprete de Buck, é o tiozão perfeito, carismático e bonachão. Embora a comédia física/pastelão seja um ponto alto, são os detalhes da atuação de Candy que, de fato, nos conquistam. Ele transmite ternura com o olhar no trato com as crianças. E mais do que isso. Quando se vê em situações que não sabe como lidar, e não são poucas, demonstra em seus trejeitos nervosismo, impaciência, tenta resolver no improviso, ou seja, é gente como a gente. Não é infalível, um personagem pronto. Ele cumpre um arco, está em construção. Em um passado não muito distante, já teria desistido, jogado tudo para o alto. Mas está aprendendo que, às vezes, é necessário pensar e agir de maneira menos egoísta.
Inevitável, nesse ponto, pensar em como John Hughes e John Candy morreram cedo demais – o primeiro em 2009 e o segundo em 1994. Eram muito amigos e poderiam ter feito muito mais parcerias nesses “feel-good movies”. Não que o subgênero esteja escasso, mas Hughes tinha um estilo todo particular, perfeitamente identificável e que faz muita falta. Além deste “Quem vê cara não vê coração”, Hughes e Candy fizeram “Antes só do que mal acompanhado”, também excelente. Com a morte de Candy, Hughes, que já havia feito uma opção de se afastar de Hollywood pouco antes, aumentou a sua reclusão.
Sorte a nossa que eles deixaram um valioso legado cinematográfico. São histórias simples, extremamente engraçadas, repletas de cenas memoráveis e de significado. “Quem vê cara não vê coração” não é um dos mais citados do diretor logo de cara (os “filmes adolescentes” têm essa prerrogativa, com justiça), mas certamente é um dos melhores. E se mesmo depois de todos esses argumentos você não quiser assistir ao filme vou ser obrigado a tomar Buck como exemplo quando Tia não quis se juntar a ele e aos irmãos em um passeio: ameaço raspar sua cabeça. Não vejo outra saída. Afinal, embora me considere uma pessoa madura, de vez em quando falha…
ONDE ASSISTIR:
- Amazon Prime Video (para alugar)
- Apple TV (para alugar)