Caracterizadas, por definição, como técnicas ou métodos que consideram o conhecimento popular e científico e que levam soluções para demandas de um grupo de pessoas ou comunidades, as tecnologias sociais também podem exercer uma função paralela de proteção à biodiversidade.
Na medida em que promovem melhorias nas condições de vida, tais tecnologias possibilitam que aqueles que são os maiores responsáveis pela conservação das florestas, os povos tradicionais, tenham condições de permanecer em seus territórios.
Por essa contribuição, algumas tecnologias sociais desenvolvidas na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) foram apresentadas durante a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP da Biodiversidade.
O evento internacional que reuniu representantes de diferentes países foi realizado na última semana, na cidade de Cali, na Colômbia.
Responsável por apresentar as tecnologias, a doutora em Ecologia Aplicada e professora da Ufra, Vania Neu, destaca que, entre as tecnologias apresentadas, está o sistema de captação de água da chuva, que usa a gravidade para fazer com que a água da chuva chegue às residências sem a necessidade de utilização de bomba d’água e energia elétrica.
PROCESSO
Após o descarte dos primeiros milímetros de chuva, a água captada passa por um processo de tratamento e filtragem para que seja possível garantir água potável para comunidades que têm dificuldade de acesso a esse recurso.
Para além de solucionar uma demanda das comunidades em si, a tecnologia também atua na promoção de soluções sustentáveis e que não comprometem a ecologia.
“A tecnologia que eu considero mais importante é de água de chuva, principalmente pela situação que a gente vive, hoje, de mudança climática, onde a água está ficando escassa em vários locais. Quando eu criei essa tecnologia em 2012, eu criei ela com uma forma de levar água potável para quem não tinha, só que hoje é uma adaptação à mudança climática”, relaciona.
“E o que isso tem a ver com a biodiversidade? Uma coisa muito importante e que muitas pessoas não conseguem fazer essa conexão é que, quando a gente fala de Amazônia, muita gente fala que é preciso manter a floresta em pé, que tem que preservar a floresta, só que essas pessoas acabam esquecendo os protagonistas que são muito importantes para o cuidado da biodiversidade, que são os povos e comunidades tradicionais”.
A professora destaca que uma situação preocupante e que já vem sendo percebida em várias comunidades é que, em várias delas, as pessoas estão deixando os seus territórios justamente pelas situações adversas em que vivem, como a dificuldade de acesso à água potável.
Portanto, solucionar esses problemas também pode contribuir para que essas comunidades não se vejam obrigadas a deixar seus territórios.
“Hoje, tem muitas comunidades que não têm água, que não têm saneamento, que não têm acesso à saúde e à educação e, no momento que essas comunidades saem dos seus territórios, esse espaço fica vazio e suscetível à entrada do garimpo ilegal, por exemplo, e de pessoas que não estão interessados em conservar essa biodiversidade”.
Duas outras tecnologias sociais desenvolvidas por pesquisadores da Ufra também foram apresentadas, de forma online, na COP da Biodiversidade. O banheiro ecológico ribeirinho, também chamado de banheiro seco, é voltado para áreas em que não haja uma destinação correta dos dejetos e que, sobretudo, estão sujeitas a inundações pela variação sazonal do rio.
BANHEIRO
A partir da instalação do banheiro ecológico, os dejetos vão para um tambor instalado embaixo do banheiro e, a cada uso, se coloca serragem e cal virgem, que possibilita que ocorra o processo normal de compostagem, transformando o material em adubo orgânico livre de patógenos.
Com isso, evita-se que os dejetos, sem tratamento, sejam despejados diretamente no solo ou nos rios.
A terceira tecnologia social apresentada é chamada de Tanque de Evapotranspiração (TEvap) adaptada à realidade amazônica.
Através da utilização de plantas específicas, o sistema é capaz de ‘filtrar’ a água do esgoto: a água contaminada entra no sistema e, através do trabalho desempenhado pelas plantas, é devolvida água limpa para a atmosfera.
Cada uma atendendo ao propósito específico a que se destina, tais tecnologias sociais não buscam replicar modelos idênticos aos já existentes, mas, sobretudo, desenvolver soluções que considerem as especificidades da Amazônia.
A possibilidade de apresentá-las no maior evento internacional de biodiversidade, inclusive, é destacada pela professora. “É muito importante que estejamos nesses espaços para que fique claro que aqui na Amazônia tem mentes pensantes desenvolvendo soluções sustentáveis e adaptadas à realidade local”, considera Vania Neu.
As três tecnologias sociais foram apresentadas, de forma online, pela professora durante a mesa “Tecnologias sociais para conservação e restauração da sociobiodiversidade da Amazônia”, que integrou a programação da 16ª COP Biodiversidade no dia 31 de outubro.