Cintia Magno
A população acima dos 60 anos de idade é a mais afetada por uma psicopatologia que demanda tanta atenção quanto qualquer doença física, a depressão. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a doença atinge 13,2% da população entre os 60 e 64 anos de idade no Brasil, sendo essa a faixa etária proporcionalmente mais afetada.
Em segundo lugar, com 11,8%, estão os idosos com idade entre 65 e 74 anos. Os números alertam para a urgência em se cuidar da saúde mental em qualquer faixa etária, incluindo a chamada terceira idade.
A psicóloga clínica Marcia Yamada reforça que a depressão pode acontecer em qualquer faixa etária, desde a infância até o envelhecer. O que acontece, muitas vezes, é que as pessoas que hoje são idosas vêm de uma formação em que ainda havia muito preconceito contra as questões de saúde mental.
“Existem pessoas que desde sempre apresentaram sintomas depressivos, que desde muito cedo já eram pessoas que apresentavam sintomas, só que muitas vezes o idoso de hoje é uma pessoa que negou a vida inteira a saúde mental. Eram pessoas que acreditavam que psicólogo e psiquiatra era ‘coisa de doido’. Isso foi repetido pelas gerações, mas, hoje, os seus filhos e netos começam a perceber que o cuidar da saúde mental é para todo mundo”.
A psicóloga explica que apesar de o termo depressão por vezes ser utilizado pela população em geral para se referir a qualquer momento de tristeza, essa interpretação é errada. Mais do que uma tristeza comum, a depressão é uma doença.
“A tristeza é uma resposta natural do ser humano a situações adversas da vida, como a perda de alguém, a frustração por algo que não deu certo, uma separação. Todas essas situações podem trazer tristeza, que é uma emoção normal e ela precisa ser vivida como a alegria, como a preocupação, como qualquer outra”, explica. “Agora, a depressão não. A depressão é uma doença que tem sintomas e esses sintomas têm que se repetir por pelo menos duas semanas”.
Entre os sintomas de depressão que outras pessoas podem notar no idoso é o humor deprimido, situação em que a pessoa sente uma tristeza muito profunda; a anedonia, que é a falta de prazer por coisas que antes eram prazerosas para aquela pessoa; a fatigabilidade, que é o excesso de cansaço, quando a pessoa se sente cansada sempre, para tudo; a diminuição de concentração; diminuição da autoestima; ideias de culpa ou inutilidade; distúrbios de sono e de apetite.
“Mas os critérios diagnósticos para identificar a depressão ou para levar a um serviço especializado precisa permanecer por no mínimo duas semanas. É quando eles prejudicam o funcionamento psicossocial do indivíduo e aí causa um sofrimento significativo para o indivíduo e para o próprio cuidador”.
Uma característica no caso dos idosos diagnosticados com depressão é que, na maioria das vezes, eles não chegam até o acompanhamento psicoterapêutico por demanda própria. “É muito importante conversar primeiro com a família porque, normalmente, o idoso não vem por demanda própria. Alguém da família procura e eu marco, primeiro, uma consulta com alguém da família, que pode ser o filho, a esposa, a cuidadora. A partir desse primeiro painel, o psicólogo pode perceber a pessoa como um todo e, a partir daí, encaminhar ao psiquiatra já que o tratamento é feito de forma conjunta”, considera Marcia Yamada.
“É preciso entender que não existe divisão entre cérebro e corpo, a não ser nas aulas de biologia. Nós somos um corpo só, então, a minha psicopatologia pode desencadear uma patologia orgânica, tanto quanto uma patologia orgânica pode desencadear uma psicopatologia. Se eu estou deprimido e deixo de me alimentar, posso desenvolver uma gastrite. Ou, no contrário, uma pessoa que recebe um diagnóstico de câncer, isso mexe não só com o seu físico, mas também com o seu psicológico”.
OUTRAS DOENÇAS
A percepção da importância que a saúde mental possui, tal qual a saúde física, também é destacada pela médica geriatra Niele Silva de Moraes, professora do curso de medicina e coordenadora do Núcleo de Atenção ao Idoso da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Segundo ela, o comprometimento da saúde mental é, inclusive, fator de risco para muitas outras doenças.
“Estudos mostram que a depressão é um fator de risco importante para a doença de Alzheimer, por exemplo. Além disso, a depressão interfere muito na funcionalidade, pode levar ao isolamento social e compromete a qualidade de vida. É como se a vida, que antes era colorida, fosse coberta por uma cortina que faz tudo ficar preto e branco e a pessoa não tem esperança de que essa cortina sairá de lá novamente. Muitas vezes sente- se no fundo do poço e tudo parece não ter mais sentido, não ter mais valor, acaba a esperança”.
No caso da pessoa idosa, a doença acaba se tornando um problema comum, mas que não pode ser confundido com algo ‘natural’ à idade. “A depressão é um problema tão comum em pessoas idosas que, infelizmente, muitos acham, erroneamente, que é ‘normal da idade avançada’. Isso faz com que muitos idosos não reclamem dos sintomas ou, às vezes, até nem percebam estes sintomas”, considera a médica, que reforça a necessidade de a família estar atenta aos sinais.
“É importante lembrar que a pessoa deprimida pode não ter ânimo nem para pedir ajuda, pode sentir-se culpada por estar desse jeito e pode não ter esperança de que vai melhorar, por isso o papel dos familiares, amigos e cuidadores é fundamental. E, idealmente, alguém próximo deve acompanhar o idoso na consulta”.
Niele considera que a presença de tristeza a maior parte do tempo e perda do interesse ou prazer por atividades que antes traziam prazer são os sintomas principais de depressão, porém, ela aponta que na pessoa idosa esses sintomas podem não ser os mais evidentes. “Idosos geralmente queixam-se mais de inquietude, sintomas somáticos (como fadiga, perda do apetite, insônia ou excesso de sono e perda do interesse sexual) e sintomas cognitivos (comprometimento da memória e lentificação do raciocínio)”, esclarece.
“O comprometimento cognitivo na depressão pode ser tão importante que pode parecer um quadro de demência, chamado de síndrome demencial da depressão”.
Outros fatores apontados pela geriatra como desafiadores no diagnóstico da depressão nas pessoas idosas é a presença de outras doenças ou uso de medicamentos que podem causar os mesmos sintomas somáticos da depressão, como a fadiga e perda do apetite.
“Alguns podem ter dificuldade de comunicação, trazendo dificuldade para expressar o que estão sentindo; e negação da doença por acharem que faz parte do envelhecimento. É importante lembrar: depressão não é normal do envelhecimento, também não é falta de força, coragem ou falta de fé”, reforça. “Depressão é uma doença e precisa de tratamento. E o tratamento melhora os sintomas e recupera a felicidade, o prazer e os sintomas que prejudicam tanto a qualidade de vida e até o funcionamento físico da pessoa idosa, que é abalado pela saúde mental”.