Aline Rodrigues
A semana encerrou com uma notícia triste para a cena cultural de Belém. Depois de muitas reinvenções em 35 anos de existência, a livraria Fox fechará suas portas no final deste janeiro, sem mais adiamentos. Com ela, encerra-se um dos espaços culturais não só mais longevos, mas ativos da capital paraense, palco de lançamentos, ponto de encontro e de troca de escritores, músicos, atores, artistas, intelectuais. O motivo? A impossibilidade financeira de manter o negócio.
“Essa decisão vem sendo amadurecida desde o começo da pandemia. Quando anunciamos entre amigos, aqui na loja, a intenção de fechar, o escritor Edyr Augusto lançou uma enorme campanha para conter esse plano. A cidade aderiu e vivemos um mês excepcional, fomos abraçados pelos clientes e isso nos fez segurar mais um tempo”, explica Deborah Miranda, uma das sócias do local.
A campanha, que trouxe de volta clientes para as compras, ajudou a garantir um respiro, mas os administradores do espaço não têm mais como manter o local. “O último Natal veio para comprovar que o livro não é mais um negócio que mantenha a estrutura gigante que temos aqui na loja. E decidimos encerrar no próximo dia 31, antes que as coisas fiquem mais sérias”, diz Deborah.
A decisão, no entanto, deixa órfãos belenenses que se acostumaram a frequentar o espaço organizado quase como uma extensão de casa, sentar em uma das poltronas ou móveis de garimpo, circular entre os livros na companhia do gato Pierrot, morador e personalidade local, tomar um café nas mesas coletivas, ou levar as crianças para ouvir histórias. Ou muito antes do streaming, o lugar onde se ia escolher os filmes para a família no final de semana.
Assim a Fox garantiu seu espaço na memória afetiva de muitos paraenses.
Saber desse papel na vida dos moradores da cidade também era um dos motivos que fazia a administração do espaço se manter firme com a livraria.
“A importância que a cidade, os clientes-amigos e toda a comunidade têm para nós que fazemos a Fox foi o que nos fez insistir quando, há muito, sabíamos que não poderíamos continuar. Entendemos o papel que um espaço com cultura, de encontros e um bom café tinha para quem está aqui, alguns há mais de 30 anos, como parte de sua rotina de vida”, pontua Déborah, destacando ainda que pelo menos duas gerações se criaram entre as estantes, livros e colaboradores, “que foram sempre também o nosso incentivo para continuar”.
“Mas eles vivenciam a rotina, o movimento diário, as dificuldades, e compreenderam, embora com muita dor, que a decisão de fechar se fazia necessária”, acrescenta a empresária.
As atividades se encerram no próximo dia 31, quatro meses antes do espaço completar 36 anos, que seria em maio. Agora, Deborah diz que a missão é separar o que precisa ser devolvido para as editoras e autores. Os itens de acervo próprio terão descontos especiais para quem passar por lá antes do encerramento. Os móveis estão também à venda.
“Não caberia no seu texto tudo de especial que vivemos nesses 35 anos. O mais importante e difícil nesse momento é pensar nas pessoas que perderemos, esse contato tão rico, clientes que amamos de coração, colaboradores que foram nossa força-motora e que se tornaram verdadeiros amigos, eventos que contribuíram para dar alegria e realização para tanta gente que passou por aqui, memórias do período do vídeo [quando a Fox era locadora], quando pessoas se encontravam para falar de filmes, e criaram amizades para toda a vida”, relembra Deborah.
Alguns clientes foram pegos de surpresa com a notícia do fechamento da Fox. Caso da professora Bia Pimentel, 64 anos, que estava na livraria na última sexta-feira, 13, e recebeu a notícia pela equipe de reportagem.
Memórias coletivas e aprendizados
Não acredito. É verdade? Esse espaço é muito importante para todas as pessoas se atualizarem. A leitura também é um bálsamo para as pessoas se acalentarem depois dessa pandemia, quando surgiu tanta doença”, disse Bia, que chegou a pedir para que fosse feita uma campanha novamente para o espaço não fechar as portas.
“Uma pena essa notícia, podiam fazer uma nova campanha. Esse espaço é prazeroso, acolhedor, aqui a gente faz amigos. Para onde vamos? Os shoppings são agitados e aqui a gente tem paz”, pontuou ela.
O estudante Odualdo Filho, 46 anos, também não sabia da notícia do encerramento das atividades da livraria e lamentou, destacando que a cidade perde muito com o fechamento. “Uma pena, as mudanças são inevitáveis, eu não esperava por isso, com tantos anos de história, eu achei que [a Fox] sempre teria fôlego para continuar. Belém perde, principalmente os autores paraenses, porque é difícil encontrar livros paraenses em qualquer lugar”, ponderou Odualdo.
O espaço também abrigou contação de histórias, clube de leitura, grupo de bordados, lançamentos de livros, grupo de prática de meditação, oficina de desenho e tantas outras atividades, que é difícil alguém com interesse em atividades culturais, em Belém, não ter circulado por lá.
“A Fox faz parte da construção das memórias e da história de nossa cidade e, particularmente, de uma grande parcela de seus moradores ‘antigos’, como eu. Fechar suas portas parece-me encerrar um ciclo, um tempo de diferente teor. Durante seu funcionamento, ofereceu espaço e alimento para nossa imaginação, inspiração, criação, afetos e lazer – incluindo as crianças que frequentaram as inúmeras sessões de contação de histórias, como minha filha”, disse a professora universitária Dilma Lopes.
“Uma perda lamentável, irreparável, do ponto de vista de quem a tem como referência, numa cidade já tão pouco generosa, se pensarmos somente na venda direta de livros de qualidade!”, completou Dilma.
PARCEIROS
Com o fechamento, perdem também os artistas que tinham no local as portas abertas para mostrar a sua arte. É o caso do contador de histórias Kadu Santoro. “É uma notícia que muito me entristece e acredito que pegou muita gente de surpresa, apesar de já termos ouvido isso antes. A Fox sempre se colocou disponível para abrir seu espaço para que apresentássemos nosso trabalho, e digo no plural porque já ouvi a mesma coisa de outros artistas. Lá foi o primeiro lugar em Belém em que apresentei uma contação de histórias”, disse Kadu, que é carioca e começou a fazer lives de contação na pandemia, com apoio da Fox.
“Na pandemia, posso dizer que ela me salvou, foi ela que acreditou mim. Para que pudesse fazer minhas lives, eu pegava semanalmente dois livros emprestados sem nenhum tipo de contrapartida ou cobrança”, acrescentou ele.
O Grupo Folha de Papel iniciou as suas atividades em 2017, na Fox, como um grupo de contação de histórias. Foi lá que amadureceu, graças à oportunidade dada pelo espaço. “Desde lá nos profissionalizamos e hoje temos muito orgulho de dizer que somos artistas, vivemos da nossa a arte e a Fox faz parte da nossa história, foi o espaço que nos acolheu, onde tivemos a oportunidade de experimentar, formar um público, conhecer outros artistas”, diz a atriz e contadora Tais Sawaki, integrante do Folha de Papel.
O sentimento geral é de tristeza e perda: “Quem nunca ouviu ‘veja se tem na Fox’ quando se procurava um livro? Quem nunca marcou um café na livraria? Quem nunca sentou na poltrona com um livro para ler? A Fox vai fazer falta! Acredito ser o único lugar em que você encontra uma grande quantidade de livros de autores paraenses”, destacou Kadu.
Mas as memórias criadas no espaço não eternas, lembrou Dilma: “Continuará em nossas lembranças, pois como disse José Saramago em seu livro ‘O Caderno’: ‘Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória’”.
Vale passar por lá para reviver esses momentos, se despedir e ajudar com o que é possível nesse momento, porque essa história também é nossa. “Quero dizer que nesse apagar das luzes a coisa mais importante para todos que fazem a Fox é dizer para toda a cidade em alto e bom tom: obrigada! Gratidão por todos esses anos que nos apoiaram e se mantiveram entre nós. Acho que cabe também um pedido de desculpas por não termos conseguido manter a Fox de pé. Fomos vencidos pela tecnologia, pandemia, idade dos sócios. Enfim, as lutas de tanta gente, mas que para nós foram sem combate”, diz Deborah.