SEM DINHEIRO, SEM COLETA

Prefeitura de Ananindeua dá calote de R$ 29,4 milhões em empresas que recolhem lixo

Segundo portal da Transparência, a prefeitura só pagou integralmente os serviços de janeiro e fevereiro das empresas Recicle e Terraplena, em parcelas e com atrasos.

Lixo acumulado vem fazendo parte do cenário de várias ruas da cidade. Moradores reclamam, mas situação não é resolvida  Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará
Lixo acumulado vem fazendo parte do cenário de várias ruas da cidade. Moradores reclamam, mas situação não é resolvida Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará

A dívida da Prefeitura de Ananindeua com as empresas Recicle e Terraplena, que atuam na recolha de lixo da cidade, já ultrapassa R$ 29,4 milhões, só neste ano. Segundo o portal municipal da Transparência, a Prefeitura só pagou integralmente os serviços de janeiro e fevereiro das duas empresas, e mesmo assim em parcelas e com atrasos de até 7 meses.

A maioria esmagadora dos pagamentos deste ano foram para quitar dívidas de serviços do ano passado, cujo total ainda se desconhece. É uma situação que tende a se agravar, se nada for feito, em uma área essencial para qualquer cidade. E que também explica o caos que tomou conta de Ananindeua, com o acúmulo de lixo por todo lado.

O DIÁRIO não conseguiu localizar, nem no portal da Transparência nem no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), a licitação e os contratos que contemplaram as duas empresas, neste ano. Mas, segundo o Diário Oficial do Município (DOM), de 27 de dezembro do ano passado, página 16, os dois contratos somam quase R$ 77 milhões, para um ano, a contar daquele mês. O da Recicle, de número 060/2023, tem o valor (aparentemente, estimado) de R$ 35,240 milhões, o que daria R$ 2,936 milhões por mês. Mas a sua média mensal de serviços tem ficado em R$ 2,138 milhões. E mesmo assim a empresa não está sendo paga em dia, segundo as Notas de Empenhos (NEs) e Notas Fiscais (NFs), que se encontram no portal da Transparência.

Segundo a NE 002006 e a NF 889, os serviços da Recicle, em janeiro, no valor de R$ 2,196 milhões, foram pagos em 4 parcelas, nos dias 12, 23 e 30 de abril e 10 de maio. Já o mês de fevereiro, no valor de R$ 2,082 milhões,  foi pago em 5 parcelas, nos dias 10 e 15 de maio, 21 de junho e 9 e 13 de agosto, dizem a NE 004285 e a NF 1377. Já o mês de março ainda não havia sido pago integralmente, até a última sexta-feira. O empenhado (e liquidado) daquele mês somou R$ 2,188 milhões. Mas a Prefeitura só pagou R$ 762.675,10, incluindo R$ 262.675,10 de impostos retidos. Ou seja: o que a Recicle viu realmente de dinheiro, dos serviços de março, foram apenas R$ 500 mil, e mesmo assim pagos em 30 de julho. Já do mês de abril, cujos serviços somaram R$ 2,085 milhões, até agora só foram “pagos” R$ 250.225,96 de impostos retidos, dizem a NE 06581 e a NF 2048.

Fotos: Mauro Ângelo

Isso significa que a dívida da Prefeitura de Ananindeua com a Recicle, só neste ano, já soma R$ 13,953 milhões: os meses de maio, junho, julho, agosto e setembro, com média mensal de R$ 2,138 milhões (calculada pelo DIÁRIO com base nos meses anteriores), mais o que está faltando quitar de março e abril. A empresa também vem penando para receber pagamentos de serviços do ano passado, ou até de anos anteriores. Segundo a NE 014010 e a NF 3551, só neste ano é que a Prefeitura pagou à Recicle R$ 1,936 milhão do reajuste dos serviços de coleta de lixo, concedido para o período de janeiro a junho de 2022, de seu contrato anterior. E mesmo assim, o pagamento foi realizado em parcelas (e, aparentemente, sem correção monetária) nos últimos 20 de maio e 13 e 21 de junho.

Já o contrato da Terraplena, de número 059/2023, tem o valor de R$ 41,628 milhões, também para 12 meses, o que daria R$ 3,469 mensais. Segundo a NE 002066 e a NF 4094, ela só recebeu o pagamento dos serviços de janeiro, no valor de R$ 2,275 milhões, em duas parcelas, nos dias 12 e 30 de julho. Já o mês de fevereiro, no valor de R$ 2,167 milhões, só foi pago em 3 parcelas, nos dias 13 e 24 de setembro e 1 de outubro, dizem a NE 004287 e a NF 4095. Já em relação ao mês de março, no valor de R$ 2,284 milhões, a Prefeitura só “pagou” até agora os R$ 282.318,78 de retenção de impostos.

Isso significa que a dívida da Prefeitura com a Terraplena já alcança, só neste ano, R$ 15,458 milhões. São 6 meses (abril, maio, junho, julho, agosto e setembro) com média mensal calculada em R$ 2,242 milhões, mais os R$ 2 milhões ainda não pagos do mês de março. Ela também contabiliza serviços do ano passado, que só estão sendo pagos neste ano, com até 7 meses de atraso.

O DIÁRIO enviou emails à Recicle e à Terraplena, perguntando o valor total da dívida da Prefeitura, incluindo anos anteriores; quando começaram os atrasos de pagamentos e se isso tem relação com o acúmulo de lixo em diversos pontos de Ananindeua, mas não obteve resposta. No entanto, é bastante improvável que esses pagamentos picotados, com atrasos consideráveis e sem correção monetária, não acabem impactando as finanças dessas empresas e a qualidade de seus serviços.

A situação em que se encontra Ananindeua, aliás, indica que isso já está ocorrendo. Como vêm mostrando o DIÁRIO e outros veículos de comunicação, o acúmulo de lixo virou uma regra, em diversos pontos da cidade, gerando protestos da população.

Como ocorreu no último dia 1, quando moradores da Cidade Nova II juntaram os sacos de lixo acumulados em suas ruas e foram depositá-los em um local bem mais visível para as autoridades e o distinto público: a movimentada Rua da Providência. Naquela noite do dia 1, quando ocorreu o protesto, já fazia uma semana que o caminhão do lixo não passava por lá. Mas o mais incrível é que, apesar de todo o barulho dos moradores e da imprensa, no dia seguinte o lixo continuava na Rua da Providência, sem que a Prefeitura tivesse se dignado a mandar retirá-lo.

O lixo toma conta de Ananindeua

A revolta da Cidade Nova II também provocou uma enxurrada de reclamações nas redes sociais, mostrando que o lixo também se acumulava em várias outras áreas, como o PAAR, Guajará, Maguary, Curuçambá. “O que é que está acontecendo com a coleta de lixo? Estamos mergulhados em um mar de lixo, toda Ananindeua está fedendo”, chegou a comentar um internauta. Mas o mau cheiro talvez seja o menor dos males. O maior problema é que o lixo atrai ratos, baratas, moscas, mosquitos, e tudo que é bicho que coloca em risco a saúde da população.

É um problema que se agrava, não apenas pela irregularidade da coleta de lixo, mas, também, pela  falta de educação ambiental. E tudo isso em uma cidade que até criou uma “taxa do lixo, que aumentou o IPTU, o imposto predial e territorial urbano, em 300 por cento, segundo denúncias de moradores.

Como mostrou o repórter do Dol, Adams Mercês, no último 20 de junho: o imposto subiu, mas a coleta de lixo sumiu. Naquele dia, escreveu Mercês, os moradores de Ananindeua já estavam há duas semanas sem coleta regular de lixo. O que levou ao acúmulo de “sacos e outros materiais descartados, em lixeiras, esquinas e calçadas”. No Residencial Jardim Ananindeua, no centro da cidade (área, aliás, onde fica, também, a sede da Prefeitura), os moradores se desesperavam: o caminhão não recolhia o lixo da rua principal há 15 dias. E olha que tinham apelado para tudo que é canal de comunicação da Prefeitura: telefone, email, WhatsApp. Só faltava mesmo, como disse um deles, falar com o próprio prefeito. Mas, tudo em vão: o lixo continuava lá, com o seu insuportável fedor a invadir as casas daqueles cidadãos, todos eles pagantes de IPTU.

Uma situação angustiante, como a capturada em 23 de fevereiro, pelo fotógrafo Wagner Almeida, do DIÁRIO, na Cidade Nova: uma senhora passando de bicicleta em uma rua estreita, tomada por urubus. Bichos atraídos por sacos e mais sacos de lixo que se acumulavam em um container e se espalhavam também pelo chão. Em vários outros pontos das Cidades Novas V e VI, relatou o repórter Rafael Rocha, havia toda sorte de lixo e entulho acumulados pelas ruas, incluindo até colchão e sofá. Um pesadelo para os moradores das proximidades. Um retrato do verdadeiro cotidiano da população de Ananindeua, sem a milionária propaganda da Prefeitura.

Texto de Ana Célia Pinheiro