ENTREVISTA

Rodrigo Santana: trajetória de trabalho, recompensa e legado para o Remo

Trabalho começou repleto de desconfiança e com muitas batalhas internas e externas, para superar. Agora, é olhar para o futuro.

Rodrigo Santana deve renovar o seu contrato para ser o treinador do Remo no próximo ano - Foto: Samara Miranda/Remo
Rodrigo Santana deve renovar o seu contrato para ser o treinador do Remo no próximo ano - Foto: Samara Miranda/Remo

É consenso que a chegada de Rodrigo Santana mudou tudo no Baenão. Ricardo Catalá e Gustavo Morínigo, que em teoria estão em prateleiras mais altas na profissão, não conseguiram tirar do elenco o que ele fez. Muita coisa influenciou nessa melhora, desde a necessidade extrema de os jogadores darem uma resposta, da mudança de estratégia, a chegada de novos jogadores e, obviamente, o trabalho do novo comandante. Sua permanência para 2025 é uma questão imediata por parte da diretoria, que conta com o desejo do treinador de ficar, faltando apenas um acerto que tudo leva a crer que acontecerá. Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO, ele fala sobre essa caminhada até o acesso, a distância da família, a mudança de chave dentro do clube, os desafios que vêm por aí na Série B, a relação com outros treinadores, entre outros assuntos.

P – Muito se falou que a melhora do Remo passou por um trabalho fora de campo, de ganho de confiança. Mas o que gerou esse ganho de confiança foram os resultados em campo ou foi um trabalho concomitante?

R – Acho que o que trouxe a confiança para os jogadores foi um sistema de jogo que passasse mais confiança, que eles se sentissem mais seguros para jogar, para arriscar. Eu acho que o primordial foi isso, encontrar uma forma de jogo que trouxesse essa confiança para eles, e aí isso facilitaria uma evolução no desempenho deles.

P – Quando você veio ao Remo havia uma desconfiança sobre você, que passava mais por situações extracampo do que de resultados. Por tudo o que aconteceu até a conquista do acesso, do jeito que foi, esse momento entra nos momentos decisivos de sua carreira, que podem significar uma mudança de patamar?

R – Sim, havia uma desconfiança e eu tinha plenas convicções que isso não afetaria o meu trabalho, mas infelizmente, hoje, o futebol em si, o externo muitas das vezes interfere no interno, mas essa diretoria também manteve as suas convicções, me deu total autonomia para trabalhar e o resultado acabou vindo. São situações que acontecem fora de campo, que muita gente traz para dentro de um dia a dia de trabalho e pode ser muito prejudicial. Fiquei muito feliz e grato à diretoria do Remo por ter permitido que eu conseguisse conduzir aqui o trabalho de uma forma bem leve, tranquila, com convicção, atender aos meus pedidos sempre. Inclusive, até das buscas de contratações e, graças a Deus, todos, não apenas a diretoria, como eu, os atletas, todos, inclusive a torcida, a imprensa, ficaram felizes porque, embora cada um tenha as suas opiniões, todos torciam pelo sucesso do Remo e o mais importante foi que o maior venceu, porque o clube está acima de tudo, de todos que estão envolvidos aqui.

P – Na última vez em que esteve na Série B o Remo teve muitas dificuldades e caiu. O Paysandu também está tendo dificuldades para se manter. Há um choque de realidade para os clubes paraenses que passa pela necessidade de maior estruturação e investimento?

R – Eu vejo uma grande dificuldade na logística, porque a Série B demanda muitos jogos, um campeonato bastante longo, com viagens dificílimas, e se você não conseguir montar um elenco competitivo, porque a rotatividade de jogadores tem que ser muito grande, e o nível não pode baixar, não pode cair de um jogo para o outro, e com essa sequência grande de jogos, essa maratona toda de viagem, faz com que seja difícil manter a performance lá no alto. Então, tem que ter um estudo muito interessante em relação à forma de montar a equipe, de saber usar a logística para ter um mínimo de desgaste possível, porque é uma competição longa, com equipes bem preparadas e o nível é mais alto.

P – Pessoalmente, qual o impacto que teve sobre você e sua família esses poucos e intensos meses no futebol do Norte?

R – A parte mais difícil é ficar longe da família, da esposa, dos filhos, acompanhar o crescimento deles, o desenvolvimento deles, de escola, de ir para casa, que a gente sempre atua bastante, os passeios, a própria esposa no nosso dia a dia. Às vezes, quando a gente chega num dia ruim, quando o resultado não vem, ela está ali, nos tira um pouco de dentro do trabalho, tem conversas, refeições juntos. Esse tempo com a família nos fortalece para voltar mais forte, e essa distância sempre machuca bastante. A minha família já esteve Belém por duas vezes, em jogos decisivos, vencemos, eles trouxeram uma energia muito forte. A gente sente muita saudade e ao mesmo tempo foca ao máximo no serviço para não ter tanto tempo de ficar em casa com saudade. Então, um mix de emoções, eles são fundamentais na minha vida, são minha inspiração. Então eu vejo que o segredo também de um bom trabalho é estar bem no seu casamento, estar bem com sua esposa, estar bem com seus filhos. Contribui demais para a gente ter uma cabeça muito boa para estar desenvolvendo o nosso dia a dia.

P – Na entrevista coletiva após o acesso você citou nominalmente Ricardo Catalá e Gustavo Morínigo como tendo papéis importantes na temporada azulina, algo que não é corriqueiro no futebol. Costuma haver essa troca de informações entre treinadores após mudanças de comando, uma ajuda entre profissionais?

R – Ah, sim, eu vejo o futebol como um processo, eu me importo muito em deixar legados para o próximo treinador. Eu acho que, poxa, se eu vier aqui e der o meu melhor pelo Clube do Remo, eu tenho certeza que no momento que eu sair daqui, o treinador que chegar vai encontrar um ambiente melhor, uma estrutura melhor e vai conseguir desenvolver melhor. E, quando esse sair, vai chegar outro e assim as coisas vão melhorando para os clubes. Eu me preocupo muito com isso, gosto de dar o mérito pras pessoas e reconhecer sempre o que a pessoa faz de bom. Futebol é um processo, passaram tanto Catalá quanto Morínigo aqui, e com certeza deixaram algo de bom. Aqui eu sempre procuro ver o copo cheio. Eu não tenho nenhum tipo de vaidade em relação a isso, vejo que a nossa classe de treinadores não é tão unida como teria que ser. Alguns outros treinadores que eu sou amigo, quando eu substituo, eu ligo, eu converso, pergunto. Eu acho que isso é importante, a grande maioria dos treinadores, muitas das vezes, tem um certo receio de ligar, de perguntar. A nossa classe, infelizmente, não é tão unida. Isso é uma pena. Tenho muitos amigos como treinador, principalmente os treinadores de Série A, principalmente os mais experientes, os quais eu aprendo demais. Eu acho que a gente precisava ser um pouquinho mais unido. Eu acho que nós treinadores brasileiros estaríamos numa situação até um pouquinho melhor, nas prateleiras de cima lá.

P – O acesso nas divisões inferiores é o mais importante, mas quem está numa competição sempre pensa em título. Depois do relaxamento pela primeira conquista, agora é o momento de tentar buscar a taça?

R – Sim, muitos interpretam como o objetivo é o acesso. Concordo, é importante para a valorização do clube, premiação, estruturação, uma divisão maior. Mas, tendo a possibilidade de vencer, de buscar o título, é melhor ainda. Fazer mais história ainda, ser campeão, a palavra já diz. A gente não pensa diferente, se temos condições vamos brigar por esse título, sim, sabendo ainda mais da forma que foi para chegar aqui. Se tivermos condições, vamos brigar pelo título. É a mesma coisa como se estivesse jogando a Libertadores ou a Copa do Brasil, o que interessa é o título.