Já abordei em outras colunas como o gênero de horror pode ser usado de muitas formas para tratar sobre temas sociais ou humanos a partir de analogias e metáforas. Na maioria das vezes, os realizadores não conseguem sair da superfície e só se preocupam com sustos fáceis ou situações chocantes para segurar ou impressionar o público. Mas há aqueles que, surpreendentemente, vão além e, mesmo com limitações técnicas e orçamentárias, garantem que o terror consiga se manter relevante nos cinemas e streamings da vida.
É o caso de “Sorria” (2022). O filme funciona como um suspense eficiente, abordando a questão da saúde mental ao usar uma “criatura” que se alimenta de estresse pós-traumático, depressão e suicídio. Nada disso renderia se não houvesse uma boa história e uma construção narrativa eficiente, e a obra possui.
Filme de estreia de Parker Finn (espero que tenha sucesso em outros projetos), este foca em uma psicóloga de hospital atendendo uma paciente que afirma estar sendo perseguida por uma entidade com um sorriso demoníaco e que só para quando a pessoa se mata. O problema é que a “maldição” passa para quem testemunha o suicídio, que é o que acontece com Rose (Sosie Bacon, excelente, puxando o talento dos pais Kevin Bacon e Kyra Sedgwick).
O filme tem algumas acomodações típicas do cinema, como o fato da “criatura” aparecer só quando é conveniente e fatos anteriores tendo sido ignorados pela polícia, mas dá para relevar pela própria forma como Finn filma, com travellings e zooms que dão a sensação de urgência, além de aproveitar as ambientações do hospital e das casas, algo que o veterano James Wan, por exemplo, faz com maestria. Tenho certeza que o diretor tem Wan entre suas influências.
Além disso, ele aproveita bem as situações para demonstrar a descida da protagonista até a quase loucura total, pela maquiagem assustadora dos sorrisos e, principalmente, a trilha cheia de ruídos e sons de ambientes. Bem, ainda tomei dois sustos genuínos, mesmo depois de anos sabendo quase sempre o momento dos “jumpscares”. Dessa vez, o senhor Finn conseguiu me deixar apavorado.
A história tem ritmo e o final é bem coerente com a proposta geral, o que também é raro quando se trata de thrillers psicológicos. Por tudo isso que elenquei, “Sorria” é uma grata surpresa, por ser independente e quase ter sido lançado direto no streaming da Paramount, mas o burburinho inicial provou que o lançamento comercial foi acertado e o filme se tornou um sucesso de público. Provavelmente deve ganhar uma sequência, já que ganchos não faltam. Vale arriscar.