Imagens de celebridades religiosas, como as dos padres Fábio de Melo e Marcelo Rossi e dos pastores Claudio Duarte e Silas Malafaia, estão sendo usadas fraudulentamente para golpes financeiros e venda de remédios sem eficácia comprovada em plataformas da Meta. Um mapeamento do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (Netlab) da UFRJ com 1.850 anúncios mostrou também que mais de 90% foram manipulados por inteligência artificial (IA) para mudar o contexto e a mensagem original.
Os sites que hospedam os produtos não têm origem determinada. Padres e pastores que aparecem nestes anúncios negam qualquer ligação e dizem que tomarão providências na Justiça contra estes conteúdos.
O pastor Claudio Duarte foi a personalidade com a imagem mais explorada nos anúncios analisados (37,6%), seguido do padre Fábio de Melo (20,4%). Também é frequente nesta publicidade fraudulenta a figura de um homem que ora é apresentado como pastor Enéas, ora como pastor Francisco. Os padres Reginaldo Manzotti (16,5%) e Marcelo Rossi (8,3%), além dos pastores Silas Malafaia (0,22%) e Rodrigo Silva (0,16%), completam a lista dos que têm fotos e vídeos mais explorados.
As peças, no Facebook e Instagram, promovem, em 89,6% dos casos, soluções fáceis para problemas como dores (66,9%), impotência sexual (21,2%) e emagrecimento (0,8%). Em 90,2% dos conteúdos, apesar de ser perceptível a mudança da voz e da imagem dos padres e pastores, não houve rotulação de que haviam sido produzidos com uso de IA, para deixar essa condição clara aos usuários.
Também há fraudes financeiras (2,6%) e livros (7,8%) propagandeados com o auxílio destas manipulações. O “Guia da mulher sábia” é promovido na rede social como sendo de Claudio Duarte. O pastor é autor de outras obras sobre orientação matrimonial – mas não deste guia.
Na adulteração de sons e de vídeos conhecida como deepfake, o tom, o timbre e o jeito de alguém falar é recriado artificialmente. De acordo com a pesquisa, nenhum dos posts fraudulentos foi moderado pela Meta.
– Não há investimento das plataformas em moderar esses conteúdos maliciosos. E elas ainda são beneficiadas porque são pagas pelos estelionatários para impulsionar as peças. Isso gera milhões de golpes diariamente – alerta Marie Santini, diretora do Netlab.
A Meta informou que “atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas” e está sempre aprimorando a tecnologia para combater atividades suspeitas. A empresa recomenda que os usuários denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra “os padrões da comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta, através dos próprios aplicativos”.
Os anúncios foram publicados por 64 páginas e perfis, todos com indícios de comportamento inautêntico. Os links associados aos golpes redirecionam usuários para 10 sites diferentes. Oito deles, ainda ativos no momento da análise, somaram mais de 660 mil acessos entre maio e julho de 2024. Outros sete são registrados nos EUA e na Islândia, o que dificulta a responsabilização legal no Brasil.
Como as celebridades aparecem nos golpes
Líder da igreja Ministério Projeto Recomeçar, em Duque de Caxias, Claudio Duarte adota nas redes um estilo descontraído ao abordar temas religiosos e cotidianos. Com mais de 10 milhões de seguidores no Instagram, tem sua imagem explorada em 477 anúncios que o associam a produtos para dores nas articulações, artrose, artrite, fibromialgia e hérnia de disco, segundo o Netlab. Trechos de uma entrevista no podcast de Celso Portiolli foram inseridos em mensagens fraudulentas, que manipulam as vozes do pastor e do apresentador com uso de IA.
A imagem do padre Marcelo Rossi foi apropriada em anúncios sobre cinco temáticas: dores, ganhos financeiros, emagrecimento, zumbido no ouvido, ansiedade e depressão. Produtos para dores são promovidos em 123 anúncios, com a voz modificada por IA. Outros 13 anunciam falsas promessas de ganhos financeiros, promovendo suposto “áudio sagrado de 5 minutos”, que atrairia prosperidade. E oito detectados pelo laboratório da UFRJ vendem soluções milagrosas para perda de peso e destacam o que chamam de “jornada incrível de emagrecimento” do padre Marcelo.
A assessoria do padre informou ter conhecimento dos golpes e diz que sempre denuncia nas plataformas os conteúdos falsos, além de enviar o conteúdo a uma equipe jurídica.
No caso de Malafaia, três anúncios manipulam a imagem do pastor e incluem a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro para promover tratamento de câncer na próstata. Os conteúdos são de um mesmo anunciante que, para se passar por um médico, usa uma foto de perfil de um homem com jaleco e estetoscópio.
Malafaia disse não ter conhecimento dos golpes e negou fazer qualquer propaganda de remédios. O pastor afirmou que irá acionar advogados para denunciar o uso de sua imagem. O padre Reginaldo Manzotti também se pronunciou sobre o caso, afirmando que recebeu “algumas notícias sobre (as fraudes) e o setor responsável está verificando”. O GLOBO não conseguiu o contato com Duarte.
Idosos são os principais alvos
Os principais alvos das fraudes são idosos. Os conteúdos impulsionados são distribuídos a partir de uma microssegmentação possibilitada pelas plataformas digitais de acordo com o perfil e o comportamento dos consumidores. Também induzem ao erro. Peças divulgam o “Viagril” para a impotência sexual, um nome semelhante ao Viagra.
O advogado Daniel Blanck, especialista em direito digital, diz que além da falta de inteligência apropriada das plataformas para verificar conteúdos manipulados, outra dificuldade para combater esses golpes é localizar os criminosos, que muitas vezes usam sistemas terceirizados e laranjas para não terem suas identidades associadas. Conforme prevê o Marco Civil da Internet, as redes sociais só podem ser responsabilizadas caso sejam notificadas judicialmente e não removam as publicações fraudulentas.
– O ofendido pode mover uma ação alegando ser vítima do golpe, e caso o provedor não remova o conteúdo, passa a responder civilmente pelos danos causados. Mas somente durante esse período de tramitação da ação, outras centenas de fakes são criadas. Por isso, é preciso que exista uma espécie de agência de controle para deliberar e fiscalizar junto às plataformas com programas de verificação de fake news – defende Blanck.
Texto de: Pâmela Dias