JOGOS ILEGAIS

Deolane e mais 100 influenciadores entram na mira da Polícia no Brasil

Os inquéritos revelam o que há por trás das promessas de dinheiro fácil dos cassinos on-line, como no caso do Fortune Tiger, conhecido com o Jogo do Tigrinho.

Os inquéritos revelam o que há por trás das promessas de dinheiro fácil dos cassinos on-line, como no caso do Fortune Tiger, conhecido com o Jogo do Tigrinho.
Os inquéritos revelam o que há por trás das promessas de dinheiro fácil dos cassinos on-line, como no caso do Fortune Tiger, conhecido com o Jogo do Tigrinho.

Celebridade que costuma ser remunerada pela publicidade que faz em vídeos em redes sociais ostentando luxo, o influenciador digital se tornou também um caso de polícia. O episódio da empresária e advogada Deolane Bezerra, presa por suspeita de envolvimento em lavagem de dinheiro ligado a jogos ilegais, é um dos mais recentes a entrar na lista de 101 influenciadores que foram alvos da polícia em 18 estados desde o ano passado, segundo levantamento feito pelo GLOBO. O último foi o de uma das advogadas de Deolane, Adélia Soares, investigada também por promoção de jogos ilegais.

É uma média de um influenciador investigado por semana. Rifas e jogos de azar estão entre os principais fatores que põem essas celebridades de internet na mira dos investigadores. Os inquéritos revelam o que há por trás das promessas de dinheiro fácil dos cassinos on-line, como no caso do Fortune Tiger, conhecido com o Jogo do Tigrinho.

Em maio, uma investigação do Ministério Público de São Paulo mirou influenciadores que acumulavam seguidores com vídeos de manobras proibidas em motos. Ao mesmo tempo, divulgavam plataformas de jogos de azar. Um site chegava a pagar R$ 15 mil por dia, a depender da quantidade de novos clientes cadastrados.

O delegado da Força-Tarefa de Combate ao Crime Organizado de Minas Gerais, Márcio Rocha, conta que os crimes de influenciadores entraram apenas recentemente no radar das autoridades. Segundo Rocha, registros de investigações anteriores a 2023 são raros. A primeira operação que o policial executou de ilegalidades de influencers foi no fim do ano passado.

– Muita gente de vários estados começou a entrar em contato, querendo entender como funcionou a investigação. Todo mundo via o fenômeno. Cada dia aparece um caso novo – comenta o delegado, que vê um padrão no perfil da maioria dos influenciadores que divulgam o Tigrinho: – Eles são cooptados por empresas e ensinados a fazer a divulgação. Gravam vídeos dizendo que ganharam fortunas e mostram essa ascensão social. É sempre isso: alguém que veio do nada e hoje tem uma vida de luxo.

No caso de Adélia, a advogada e ex-participante do Big Brother Brasil foi indiciada na semana passada por falsidade ideológica e associação criminosa pela Polícia Civil do Distrito Federal. Com 2 milhões de seguidores no Instagram, ela é suspeita de se associar a mafiosos chineses para abrir empresas que permitiram a operação de cassinos on-line no Brasil.

Adélia consta como administradora e representante da Playflow, uma processadora de pagamentos sediada em Suzano (SP). As investigações indicam que documentos falsos foram usados na abertura da empresa. As apostas nas plataformas de jogo de azar eram feitas via Pix, e o dinheiro era repassado à Playflow, que o enviava a uma instituição de pagamento. CPFs de pessoas mortas foram usados pelo grupo para remeter o dinheiro ao exterior por meio de casas de câmbio, segundo a TV Globo.

“Jamais arriscaria 22 anos de muito trabalho por algo que não fosse lícito, algo contrário do que eu oriento aos meus clientes. Tudo o que eu fiz foi dentro da legalidade, isso vai ser provado dentro do processo”, disse Adélia em um vídeo em sua conta no Instagram nesta segunda-feira.

Deolane Bezerra segue detida na Colônia Penal Feminina de Buíque, no Agreste de Pernambuco, após o Superior Tribunal de Justiça ter rejeitado um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa na sexta-feira. A influenciadora foi presa no dia 4, na Operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, por suspeita de abrir uma empresa de apostas para lavar dinheiro ao lado da mãe, Solange Bezerra.

Solange Alves, mãe de Deolane Bezerra, é acusada de ligação com o tráfico de drogas, jogos ilícitos, lavagem de dinheiro e transações financeiras suspeitas.
Solange Alves, mãe de Deolane Bezerra, é acusada de ligação com o tráfico de drogas, jogos ilícitos, lavagem de dinheiro e transações financeiras suspeitas.

A advogada também comprou uma Lamborghini Urus, avaliada em R$ 3,9 milhões, de Darwin Henrique da Silva Filho, dono da Esportes da Sorte, principal alvo da operação. A transação teria indícios de lavagem de dinheiro.

No dia seguinte à prisão de Deolane, a Polícia Civil da Bahia mobilizou 200 agentes para prender 21 suspeitos de envolvimento em uma organização criminosa responsável por promover rifas nas redes para lavar dinheiro do tráfico de drogas. Ligados ao Comando Vermelho, os criminosos teriam movimentado mais de R$ 500 milhões. As rifas eram divulgadas pelos influenciadores Ramhon Dias e José Roberto, o Nanam Premiações, que também foram presos.

Juntos, Ramhon e Nanam têm mais de 1,5 milhão de seguidores, atraídos pelas supostas chances de ganharem carros, celulares e dinheiro com contribuições na casa dos centavos. No Instagram, Nanam ostenta maços de notas, carros de luxo, lanchas e jet-skis. “Hoje é seu dia de ficar milionário”, diz a descrição de uma das postagens, que anunciava uma rifa de carros da marca BMW, Porsche, BYD e Toyota.

A Operação Falsas Promessas levou a 14 prisões em Salvador, cinco em Goiás e uma no Ceará. No bairro de Santa Cruz, em Salvador, um dos alvos, Sueliton de Almeida Coelho, de 50 anos, foi baleado ao entrar em confronto com os policiais e morreu. Sueliton era apontado como líder do tráfico no bairro do Nordeste de Amaralina. No cumprimento de 26 mandados de busca e apreensão, foram recolhidos carros de luxo, roupas e acessórios de marca, lanchas e relógios.

– Os sorteios eram de fachada. As premiações eram feitas de forma ilícita, sem nenhum tipo de regulamento, onde os prêmios rodavam entre eles mesmos. Era tudo fictício, enrolando a população. Além da lavagem de dinheiro, ainda arrecadavam nessa falsa promessa – disse a delegada Márcia Pereira durante coletiva de imprensa.

Rifas virtuais fraudulentas também levaram outro ex-BBB, Dilson Alves da Silva Neto, o Nego Di, a ser denunciado no início de setembro pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por estelionato, lavagem de dinheiro e uso de documento falso, além de contravenção penal. A mulher de Nego Di, Gabriela Sousa, com 1 milhão de seguidores no Instagram, foi denunciada por lavagem de dinheiro.

Segundo o MP, o influenciador promoveu o sorteio de um carro de luxo e adquiriu ele próprio o número sorteado. Para ocultar a fraude, anunciou um vencedor fictício. A defesa do casal diz que provará a inocência da dupla “munida de provas que comprovam a licitude de seus bens, a realização de parte da doação por troca de cachê de publicidade e movimentação financeira lícita”.

Foi a segunda vez em que Nego Di é acusado de envolvimento em estelionato. Em julho, ele foi preso em Santa Catarina por participar de um esquema on-line de venda de produtos jamais entregues. Segundo a Polícia Civil, houve movimentações superiores a R$ 5 milhões em contas ligadas ao influenciador.

Nego Di vai continuar preso

Nego Di também é investigado por uso de documento falso. Em maio, enquanto o Rio Grande do Sul era assolado pelas enchentes, ele compartilhou em suas redes um comprovante de transferência via Pix, no valor de R$ 1 milhão em doação às vítimas das chuvas. Segundo o MP, no entanto, a operação bancária foi de apenas R$ 100.

Segundo o levantamento feito pelo GLOBO, em 2023, ao menos 17 influenciadores se tornaram alvos de investigações da Polícia Civil do Acre. No Pará, foram 15 casos, enquanto no Maranhão são 11 investigados no momento pela Polícia Civil. O advogado criminalista Rafael Paiva alerta que rifas e jogos de azar podem levar indiciamentos por crimes contra o consumidor, relações de consumo e estelionato.

– São crimes com penas que podem chegar aos dois ou três anos – diz Paiva, ressalvando que circunstâncias como a lavagem para o crime organizado podem fazer as sentenças chegarem a dez anos de prisão.

Texto de: Paulo Assad (AG)