O quantitativo de entorpecentes apreendidos em todo o Pará nos primeiros oito meses de 2024, cerca de 9,3 toneladas, já é 66% maior do que a quantidade recolhida no mesmo período de 2023, cerca de 5,6 toneladas, e já inclusive superou o total de todo o ano passado – 9,1 toneladas. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), e a Polícia Civil do Estado do Pará (PC-PA) credita os números ao resultado de ações fiscalizatórias dos órgãos, tanto em ações ostensivas, como em investigações mais complexas, voltadas a desmantelar a logística dos grupos criminosos. Dentre as drogas tiradas de circulação estão maconha, cocaína, crack, pedra óxi, sintéticos e outros.
O delegado Davi Cordeiro, da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc), explica que o posicionamento geográfico do Pará, com muitas rotas hidroviárias, acabou fazendo com que a polícia intensificasse a atuação nessas áreas, resultando em apreensões cada vez mais volumosas.
“Há um alto valor agregado nesse tipo de comércio ilícito, e a localização geográfica do Pará é atraente para essa droga passar por aqui. Ela sai dos países andinos, entra no Brasil pelo Amazonas e vai descendo a malha fluvial, passando obrigatoriamente pelo nosso estado. Muitas das vezes nem fica aqui, segue para o Nordeste ou para países da Europa”, detalha a autoridade policial.
Cordeiro reconhece a implementação da Base Integrada Fluvial “Antônio Lemos”, instalada no Rio Tajapuru, no distrito de Antônio Lemos, em Breves, no Marajó, ainda em 2022 pelo governo estadual, como uma virada de chave para mudar a realidade da região com o trabalho integrado das forças de Segurança Pública e órgãos de fiscalizações, que somam esforços com instituições das esferas municipais, estaduais e federais no enfrentamento à criminalidade.
“Aumentou vertiginosamente a quantidade de apreensão de entorpecentes, porque pega toda a costa, os municípios ribeirinhos por onde passam embarcações que fazem esse transporte, e sempre em maior volume do que os grupos costumam fazer por terra”. O governador Helder Barbalho entregou na última sexta, 13, a Base Fluvial Integrada “Candiru”, no município de Óbidos, no Baixo Amazonas, que também deve ser utilizada para fortalecer a fiscalização nas fronteiras.
As estratégias utilizadas ainda incluem o aumento de blitzes e barreiras, apoio do Batalhão de Ações com Cães (BAC), ajuda da população pelo Disque Denúncia 181, com sigilo absolutamente garantido, e os trabalhos de investigação complexos e de longo prazo voltados à descapitalização de bandos criminosos. “As apreensões são importantes, claro, a gente tira a droga do mercado. Mas conseguir bloquear contas bancárias, fazer o sequestro de imóveis, de aeronaves, carros de luxo, que é onde ‘dói’, desmantela o grupo”, defende Davi Cordeiro.
O delegado confirma que a atuação da Denarc passará a ser cada vez mais integrada com outros órgãos, no sentido de entender como os criminosos trazem os entorpecentes, quem utiliza, para onde vai, além das ações relacionadas, como lavagem de dinheiro e extorsões, por exemplo.
“O tráfico de drogas é muito interligado com crimes que a população vê no dia a dia, como o furto, o roubo, o homicídio. Diminuindo a droga no mercado ilegal vai diminuir essa criminalidade, porque o usuário, a pessoa que está comprando, quando passa a dever por vezes precisa roubar, cometer algum outro crime mais grave para pagar”, justifica.
REDE
O advogado criminalista e sociólogo Henrique Sauma compara o tráfico de entorpecentes ao item de uma grande engrenagem que, se sofre algum tipo de pane, prejudica o funcionamento da “máquina” como um todo. Na prática, as organizações criminosas acabam comandando outros setores: jogo, prostituição, e o tráfico de drogas figura como grande fonte de ganho financeiro. E todas as vezes que há um estrangulamento econômico a partir dali, que é quando o Estado entra com trabalho de inteligência, com as forças da Segurança Pública, os grupos perdem força.
“Quando você faz isso no tráfico, a desarticulação dessas organizações criminosas, elas acabam buscando outra forma de financiamento, como crimes do tipo ‘novo Cangaço’, por exemplo. E começam a brigar entre si. Então quem investiga se vale de uma estratégia que é do Direito americano, o ‘follow the money’, ou seja, de seguir o dinheiro, que foi aquilo que a Operação Lava Jato fez no Brasil, que a Operação Mãos Limpas fez na Itália. Os criminosos pegam o dinheiro e investem em apartamento, compram carro, começam a ter vida de ostentação. E no Código de Processo Civil a gente tem ferramentas e formas de bloquear tudo isso, o que inviabiliza a ação criminosa”, detalha Henrique.
Para o estudioso, tanto a base de Breves como a base recém entregue de Óbidos seguirão fazendo a diferença no combate ao tráfico. “É rota do pescado, mas que é usada para o tráfico de entorpecentes, então há toda uma interligação. É como se fosse um grande guarda-chuva, e embaixo tem tráfico de entorpecente, tem milícia, tem a venda da proteção, exploração do jogo, da prostituição, da lavagem de dinheiro. Não por acaso a gente chama de organização criminosa, uma grande engrenagem de várias peças para poder funcionar. Se estrangula, gera crise de funcionamento. E as forças da Segurança Pública no Pará vêm fazendo isso faz tempo, o estado tem feito um trabalho excelente neste monitoramento”, atesta o sociólogo.