REVISÃO

Governo prepara novo pente-fino no Bolsa Família em 2025

Seaster alerta sobre pagamento do Programa Bolsa Família para beneficiários atingidos por estiagem
Seaster alerta sobre pagamento do Programa Bolsa Família para beneficiários atingidos por estiagem

O Programa Bolsa Família passará por um novo pente-fino a partir de janeiro de 2025. O foco do governo deve se concentrar, mais uma vez, nas famílias unipessoais -compostas por uma única pessoa- e na revisão dos cadastros desatualizados no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais).

O pente-fino deverá ajudar a cumprir as metas da proposta orçamentária de 2025, que prevê um corte de R$ 2,3 bilhões no orçamento do programa ante 2024, caindo de R$ 168,6 bilhões para R$ 166,3 bilhões.

O programa atendeu 21,1 milhões de famílias em agosto, com pagamentos que somaram R$ 14,25 bilhões. As famílias unipessoais somam hoje mais de 4 milhões, segundo dados do MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).

O aumento desse público e as inconsistências no CadÚnico, que contém ainda um alto número de famílias com os dados desatualizados há mais de quatro anos -a lei prevê atualização a cada dois anos sob pena de retirada do benefício social-, foi apontado como preocupante pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Ainda em 2022, relatório do órgão recomendou a “readequação do desenho do programa; a investigação dos problemas de focalização, sobretudo os prováveis erros de inclusão; a regularização da gestão da qualidade de dados do CadÚnico; e a correção de planejamento, visando à implementação dos benefícios pendentes”.

Leandro Ferreira, presidente da RBRB (Rede Brasileira de Renda Básica), afirma que, de fato, houve um crescimento no número de famílias unipessoais, mas diz que a conta do governo não pode ficar em torno dessas pessoas, e que elas não podem ser criminalizadas como fraudadoras do cadastro.

“É importante lembrar que estamos vivendo um momento que é decorrente do que foi o auxílio emergencial. O governo ter desenhado o auxílio como foi, permitindo dois benefícios adultos por família, fez com que tivéssemos uma herança que ficou para o Auxílio Brasil”, diz.

“O beneficiário, na verdade, aprendeu com as regras que ele podia ter uma renda maior. O mais importante é evitar a criminalização desse beneficiário.”

Ferreira aponta que, após a pandemia da Covid-19, a sociedade brasileira entendeu que o valor pago no Bolsa Família era muito baixo, o que forçou governos a fixar o mínimo de R$ 600 como um montante minimamente justo.

“O governo se vê pressionado por conta das restrições fiscais da União a, de fato, corrigir todas as políticas em suas regras. E a gente vê essa situação muito a mais apertada em relação ao BPC [Benefício de Prestação Continuada]”, afirma.

Aldaíza Sposati, professora titular sênior da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e diretora da RBRB, também se preocupa com a criminalização do cidadão que recebe Bolsa Família por meio de um cadastro unipessoal, e chama de “perversa” a decisão do governo de focar revisões neste público.

“O nível efetivamente de irregularidades no pagamento de taxas e impostos é altíssimo, mas sempre é muito mais fácil aplicar alguma coisa contra aqueles que menos têm”, afirma.
Sposati comandou estudo na capital paulista que mostra o perfil do beneficiário de programas sociais no grupo dos unipessoais. Segundo ela, esse público é composto, em sua maioria, por mulheres negras na faixa dos 60 anos e pela população de rua.

São mulheres que trabalharam boa parte da vida na informalidade, como faxineiras, e por não pagarem contribuições à Previdência, não têm direito à aposentadoria.

“Quando atingem uma idade acima de 60 anos, não conseguem emprego. Quando conseguem é para limpeza de lixo, de banheiros. Como está no trabalho informal, ela adquire idade, mas não tem direito à aposentadoria. A única coisa que existe é o BPC, mas só a partir de 65 anos.”

O MDS não informou o número de beneficiários retirados no CadÚnico neste ano. Disse apenas haver uma dinâmica mensal de entrada e saída de famílias, que conta, inclusive, com busca ativa de beneficiários.

“Para ampliar o alcance das famílias, o ministério vem realizando ações de busca ativa do Cadastro Único, que promoveu a inclusão de 2,86 milhões de famílias no Bolsa Família de março a dezembro de 2023, e 1,37 milhão famílias de janeiro a julho de 2024”, diz nota.

Dados da RBRB são de que a fila de cidadãos elegíveis ao Bolsa Família, mas que ainda não foram contemplados está em 416 mil. No governo Bolsonaro, ultrapassou os 2 milhões.
Atualmente, a capital paulista conta com o maior número de famílias unipessoais recebendo o benefício, com quase 700 mil beneficiários, seguida pelo Rio de Janeiro, com 500 mil.

REVISÃO
Desde 2023, o ministério vem fazendo constantes revisões e foca, principalmente, nos unipessoais. O motivo é a alta no perfil destes beneficiários em 2022, ano eleitoral no qual o então presidente Jair Bolsonaro (PL) tentava reeleição.

Na época, foi aprovada uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que permitiu ao governo gastar acima dos limites previstos por lei. Para conseguir pagar benefícios a um número inflado de cidadãos, o Planalto aprovou duas outras PECs, que tratavam do confisco dos precatórios pagos a aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Em 2023, o pente-fino suspendeu o pagamento para 1,7 milhões de famílias que recebiam o benefício indevidamente. O MDS explicou que a análise dos fluxos de famílias que entram e saem do programa são realizados mensalmente.

QUEM PODE RECEBER O BOLSA FAMÍLIA?

O Programa Bolsa Família tem como principal objetivo o combate à pobreza e conta com a integração de políticas públicas contra a vulnerabilidade social. Para receber o benefício, é necessário que a renda mensal por pessoal da família seja de até R$ 218.

A entrada no programa não é feita de forma automática e é necessário se inscrever no Cadastro Único para receber o benefício.

*CRISTIANE GERCINA E JÚLIA GALVÃO