Servido quente, com um tom amarelado e sabor inigualável. É certo que, no final da tarde, o tacacá domina as ruas de Belém e atrai, todos os dias, centenas de pessoas que mantêm há décadas o ritual de sentar, curtir e ficar de boa para se deliciar com a famosa iguaria regional.
E, para manter viva a tradição, seja debaixo de sol ou não, andar pelas ruas de Belém é ter a certeza de encontrar as inúmeras barraquinhas nas calçadas e esquinas, comandadas, sobretudo, por mulheres, as famosas tacacazeiras, que fazem desse alimento sua principal fonte de renda.
“Proporcionar o tacacá aos nossos clientes é uma tradição que se iniciou em 1963. E, hoje, a responsabilidade é elevar a qualidade da comida, proporcionar uma explosão de sabores regionais que, embora todos conhecem bem, fazem questão de vir aqui dizer ‘me veja um, por favor’”, contou Ivonete Pantoja, proprietária e vendedora.
No ramo há 61 anos, o Tacacá Raízes da Mandioca, localizado na avenida Nazaré, é um dos mais antigos da Região Metropolitana de Belém. E, de acordo com a proprietária, vem sendo passado por gerações.
“Aprendi a cozinhar e a vender com a minha mãe. Ela me dizia que qualquer pessoa se conquista a partir de uma boa refeição. E foi o que fizemos juntas. Semanalmente clientes da casa e novatos chegam para tomar o meu tacacá, simplesmente porque a gente preza pela qualidade da receita e daqui eles só saem de barriga cheia”, disse Ivonete Pantoja.
Algo que a pedagoga Alice Gomes faz questão de reafirmar. “Sempre que eu saio do trabalho passo por aqui, sento e peço o meu belo e delicioso tacacá. Sentir o caldo quentinho e saboroso é a minha alegria, o meu ritual para chegar em casa renovada e pronta para o próximo dia. Me dá força, energia, é uma alimentação que me enche”.
PATRIMÔNIO
De origem indígena, a comida típica é uma espécie de caldo, que teve a sua primeira descrição registrada no século XVI. Além do Pará, é comum encontrar o tacacá nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Amapá.
Em 2011, o município de Belém instituiu o Dia das Tacacazeiras, que passou a ser comemorado em 13 de setembro. Há dez anos, as vendedoras de tacacá foram declaradas Patrimônio Cultural Imaterial da capital paraense, em reconhecimento ao seu trabalho e contribuição cultural. A fama é tanta que o tacacá foi a comida mais pesquisada pelos brasileiros no Google em 2023, por causa do sucesso da canção “Voando pro Pará”, da Joelma, que virou hit nas redes sociais no Brasil e no mundo.
LEGADO
Max Pompeu é conhecido pelo famoso Tacacá da Paula, criado por sua finada mãe. Ele resiste ao tempo e vive da venda do tacacá da forma mais genuína possível. “Me tornei tacacazeiro por necessidade, mas também por respeito. Depois que a minha mãe faleceu, senti que deveria dar continuidade ao legado dela, sempre prezando pelo jeito prático e divertido de cozinhar. Ela começou aqui há 50 anos e estou aqui, no mesmo lugar, há quase 10 anos”, relatou.
No trabalho de segunda a sábado, o atual proprietário leva seu carrinho para a avenida Nazaré e lá, na rua, próxima de sua casa, encanta a todos com a sua comida regional. E logo as longas filas de clientes cercam o espaço e esperam, pacientemente, a cuia chegar em suas mãos.
“Eu como aqui desde que era criança, a minha mãe que me trazia. Hoje eu gosto de voltar porque é a minha tradição. Venho aqui todos os dias e espero fazer isso por anos”, comentou João Neto, empresário.
Estimulado pelos clientes, o tacacazeiro sempre retribui tentando agradar ao máximo. O principal segredo do negócio é combinar os ingredientes ao gosto do freguês. Quem nunca experimentou tacacá, costuma pedir “com mais tucupi, camarão, jambu e menos goma”, explicou rapidamente Max Pompeu, aos risos.
Uma bela cuia de tacacá na mão e um lindo pôr do sol. Que turista pode resistir?
A iguaria regional também se faz presente no principal cartão-postal da cidade de Belém. Na Estação Docas, a cafeteria As Mulatas é a responsável por garantir a experiência gastronômica à beira rio, tanto para os paraenses quanto para os inúmeros turistas que passam pelo local.
“Minha mãe é a responsável por repassar e ensinar todas as nossas receitas salgadas, e ela possui um amor muito grande pelo preparo do tacacá. Afinal, aqui é o único restaurante da estação a ofertar essa iguaria regional”, esclareceu Michelle Xerfan, empresária.
“Aqui tem pessoas de todas as idades, que possuem os mais variados gostos e possuem a oportunidade de relaxar com a vista de um pôr do sol lindo. Então por que não juntar esse momento com umas das comidas mais queridas por todos, o tacacá? Foi com esse pensamento que fizemos acontecer e, graças a Deus, foi bem recebido pelo público”, disse.
E como de se esperar, o sabor regional do Pará conquistou até mesmo quem veio de outro estado. Pela segunda vez em solo paraense, a médica cirurgiã Gabriela Porto, moradora de Recife, veio a Belém a trabalho, e encontrou na Estação o jeito mais prático e gostoso de saborear a culinária local.
“Eu ouvia muito falar, mas quando provei pude afirmar: tudo melhora com tacacá, principalmente somado a essa bela vista de frente para esse rio imenso, que tá me ajudando a manter o calorzão longe. Estou simplesmente encantada. Inclusive, assim que eu chegar na minha terra, vou direto para o restaurante que vende comidas típicas do Pará, pode-se dizer que é o meu vício”, relatou.
COP 30
Ágeis, as tacacazeiras estão se preparando para a Conferências sobre Mudanças Climáticas da ONU, a COP 30, prevista para acontecer em novembro de 2025, em Belém. A cidade se transformou em um canteiro de obras, com duplicação de vias, drenagens de canais e abertura de centros gastronômicos.
“Vai ser um evento muito grande aqui no Pará. Como terá muita gente de fora, eu quero aumentar meu quadro de funcionários, melhorar o atendimento ao cliente e aperfeiçoar os pratos”, explicou a vendedora de tacacá Maria Gomes, conhecida como Diva.
Com duas décadas de trabalho e dois carrinhos de tacacá, na Pedreira e na Marambaia, a tacacazeira Diva reinventou o tacacá. Ela criou o “tacaranguejo”, com unhas de caranguejo acrescentadas, e o “vataçoba”, que junta três pratos típicos: vatapá, maniçoba e arroz paraense.
“Tenho um amigo que vendia unha de caranguejo e ele dizia para gente inventar pratos diferentes. Eu testei e deu certo. Agora todo mundo tem”, comentou, orgulhosa.