O realizador audiovisual Alessandro Campos está produzindo um filme em homenagem à Edna dos Santos Cereja, protagonista do filme “Iracema: uma transa amazônica”, de Jorge Bodanzky e Orlando Sena. “Edna: 50 anos depois de Iracema” deve estrear em outubro, durante o Festival do Filme Etnográfico do Pará. A produção conta com uma equipe totalmente paraense: além do diretor, Janaína Alves assina roteiro e produção executiva; San Marcelo, a fotografia; e Moyses Cavalcante, o som.
Edna dos Santos Cereja, 65 anos, é dona de casa e costureira. À época, com 15 anos, ela ganhou fama quando o filme estreou, e conquistou o troféu Candango na categoria de melhor atriz, durante o Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, em 1980. Mas ela diz que nunca pensou em ser atriz na vida. “Fiquei durante muitos anos no anonimato e o Alessandro Campos veio e me descobriu (risos)”.
Belém e Transamazônica foram locações para filme
As gravações do filme de Jorge Bodanzky e Orlando Sena foram feitas em Belém e ao longo da rodovia Transamazônica. “Eu tinha 15 anos quando recebi o convite para fazer o filme. Foi um pouco estranho no momento de escolher a personagem, porque nunca pensei em ser atriz na minha vida. Mas quando me passaram o argumento, foi tudo natural, falar sobre a Amazônia, porque lembrava das minhas conversas do dia a dia, foi tudo improvisado”, diz ela.
O filme foi feito em 1974, mas permanece muito atual porque traz temas de grande identificação com a região. Fala sobre queimadas na Amazônia, a exploração infantil e conflitos pela terra, e sobre o cotidiano do país. “O filme foi encomendado por uma tevê alemã para fazer um comercial de um carro da Volkswagen, da Alemanha, e surgiu Iracema no meio. Jorge Bodanzky é um apaixonado pela Amazônia. Então ele reuniu Orlando Sena, que era o crânio da história, que fez o roteiro. Eles vieram a Belém atrás da Iracema e me encontraram”, lembra-se Edna.
“Hoje, o filme é uma boa recordação de uma época em que eu era uma menina. Eu morava na [avenida] Senador Lemos e fui ‘achada’ na quadra do Jarbas Passarinho, no Sesc, onde eu brincava. A gente ia assistir ao programa de rádio comandado pelo Paulo Ronaldo e lá eles me encontraram. Numa das cenas, eles mandaram eu correr de um assalto simulado e depois, a gente fez umas fotos no Ver-o-Peso”, conta Edna dos Santos.
Produção deve estrear no Festival do Filme Etnográfico
Sociólogo e antropólogo por formação, Alessandro Campos é diretor do Festival do Filme Etnográfico do Pará. É ainda executivo da Pupunha Produções (produtora com grande experiência em documentários e filmes etnográficos) e é coordenador adjunto do Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e da Imagem-Visagem/UFPA, membro da coordenação geral do Encontro de Antropologia Visual da Amazônia.
Ele conta que pretende lançar o filme “Edna: 50 anos depois de Iracema” em outubro, durante o Festival do Filme Etnográfico do Pará. “Sou um grande fã do filme ‘Iracema, uma transa amazônica’, de Jorge Bodanzky e Orlando Sena. E é claro, da estrela do filme, Edna. Esse é um dos filmes obrigatórios para se tentar entender a complexidade e as mazelas que caracterizam a região amazônica, em especial a construção desastrosa da Transamazônica”, aponta Alessandro Campos.
50 anos depois, filme de Bodanzky permanece clássico
O filme “Iracema, uma transa amazônica” está completando 50 anos. E em 2022, durante a homenagem que o Festival Internacional do Filme Etnográfico do Pará fez a Jorge Bodanzky, Alessandro Campos teve a oportunidade de conhecer a protagonista. “Conheci a Edna, uma pessoa maravilhosa, com muitas histórias para contar. Então, eu, Edna e o Jorge, durante um almoço, decidimos que seria uma ótima ideia fazer um filme sobre a Edna, essa personagem tão importante para o cinema paraense, vencedora do troféu Candango em 1980. Um filme sobre e com Edna, suas memórias, seu cotidiano, sua trajetória e como, de alguma forma, o filme ainda transpassa sua vida até hoje. Ela, sem dúvida, merecia um filme só dela”, afirma o diretor.
Para ele, Jorge Bodanzky é um paraense por opção e por paixão. “Ele é um profundo conhecedor da Amazônia e um dos maiores cineastas do Brasil. Iracema é seu primeiro longa e vencedor de vários prêmios nacionais e internacionais. Foi feito em plena Ditadura Militar [1964-1985] e mostra numa produção de documentário/ficção, as dores, esperanças e desgraças que aconteciam (?) na longa Rodovia Transamazônica”, considera.
“É inquestionável sua contribuição para o ‘escancaramento’ desses problemas que eram empurrados para baixo do tapete pelos militares. Por isso o filme foi censurado por alguns anos no Brasil.
“É inquestionável sua contribuição para o ‘escancaramento’ desses problemas que eram empurrados para baixo do tapete pelos militares. Por isso o filme foi censurado por alguns anos no Brasil. Quem assiste ao filme se sente em casa, sendo da região Norte, com um mínimo de estrada de vida. Dá para sentir o gosto da poeira, a tristeza da prostituição infantil e da destruição da mata virgem, com derrubadas e queimadas. Foi o primeiro filme a fazer isso de forma tão escancarada e de modo corajoso”, reitera Alessandro Campos.
Equipe de produção é 100% paraense
Com uma relação muito íntima com essa temática da Amazônia, Alessandro conta sobre a produção do filme, que já está finalizada. “Toda equipe é paraense. Portanto, nossa relação com a Amazonia é intrínseca e inseparável. A produção já foi finalizada e estamos na fase da decupagem e montagem, a pós-produção. Tivemos locações como o Círio de Nazaré, o Ver-o-Peso, o Furo da Paciência, no Combu, na casa de Edna durante seu aniversário. Estou satisfeito, agora é montar e jogar para o telão, com estreia durante o VI Festival do Filme Etnográfico do Pará, que acontece de 17 a 20 de outubro desse ano, juntamente com a versão remasterizada em 4k do filme ‘Iracema’. Aguardem”, convida.
Alessandro comenta ainda sobre os grandes desafios de fazer cinema no Norte do país e destaca a sua contribuição para sanar essas dificuldades. “O já velho problema de fazer cinema na região Norte do país é sempre o mesmo: recurso financeiro. Conseguimos um recurso pequeno, mas que foi superimportante, e que faria qualquer cineasta de outra região rir, com um edital da FCP (para o primeiro corte do filme), o que cobriu parte das despesas, mas o restante é recurso próprio, e paixão e vontade da equipe, a quem agradeço profundamente. Esperamos ainda conseguir ganhar algum edital para essa finalização do filme”.