Apesar de todas as campanhas de conscientização e denúncias que ocorrem cotidianamente no país, os casos de injúria racial e de racismo continuam crescendo no Pará. A mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela dados preocupantes. Os números mostram que os casos de injúria racial saltaram de 306 ocorrências em 2022 para 471 casos em 2023. Já as denúncias de racismo subiram de 5 para 17 ocorrências entre um ano e outro. O número representa um crescimento de 240% de ocorrências deste tipo no Pará.
A jornalista Flávia Ribeiro, 45 anos, ativista e pesquisadora das interfaces entre gênero e raça na Comunicação avalia que o aumento no número de casos de racismo e injúria no Estado é um dado importante porque mostra que o Estado Brasileiro passa a identificar melhor os crimes relacionados a esses crimes.
Isso requer, segundo ela, a atuação em duas frentes. A primeira não depende tanto do poder público e envolve a vítima saber identificar o que é racismo. “Isso nem sempre é fácil porque o racismo é muito escamoteado no Brasil. Ainda há muito racista que esconde o seu racismo na forma de piada, brincadeira ou de mero comentário”, coloca.
Flávia, que é ativista do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa); da Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira; e da Rede de Ciberativistas Negras – Núcleo Pará, diz que nem sempre o racismo ocorre em agressão física ou verbal: muitas vezes está no tratamento diferenciado às pessoas negras em espaços públicos.
“Não é incomum sermos seguidos por seguranças e absolutamente ignorados por atendentes. Além disso, é preciso que os agentes públicos saibam como tipificar o crime corretamente e defender a vítima. Mas é bom ressaltar que estamos falando de crimes que são subnotificados e que as vítimas muitas vezes são incentivadas a relevar ou acabam sendo agredidas, criminalizadas e até mortas”.
Há ainda outra situação que precisa ser observada. “Denunciar é importante, registrar é importante, mas quantos desses casos foram adiante e os denunciados foram condenados? Sabemos que o número de condenações ainda é muito baixo e há casos em que o denunciado reverte a situação e a pessoa negra passa de vítima a agressor”, atesta a ativista.
A estudiosa ressalta que vivemos em uma região em que as pessoas são incentivadas a não assumir a identidade negra: em geral, são “morenas”. “Então, falar de racismo, machismo e de outras opressões que recaem mais pesadamente sobre as mulheres negras é necessário porque jogamos luz em situações que não podem ser tidas como normais, que não podem ser relevadas. São agressões cotidianas que adoecem e matam. O próprio Anuário traz dados de violência contra a mulher em que as negras figuram como maiores vítimas”
Falar dessas agressões, segundo ela, é importante porque cada vez mais vamos saber identificar, denunciar e cobrar das autoridades respostas e políticas públicas que nos contemplem. “Quando as políticas públicas se voltam para atender grupos que foram vulnerabilizados socialmente e ao longo da História, isso implica fazer da sociedade um lugar mais justo para todos”.