Municípios brasileiros avançaram nos indicadores referentes ao pré-natal em gestantes, mas seguem emperrados no controle mínimo de diabetes e de hipertensão, mostram dados de um programa federal que atrelou parte do financiamento da atenção primária do SUS (Sistema Único de Saúde) ao cumprimento de metas referentes a sete indicadores.
No conjunto de 5.568 municípios, mais de 80% cumpriram as metas de pré-natal, que preveem seis consultas e testagem de sífilis e HIV em 60% da gestantes. Já os objetivos referentes à medição da glicemia e da pressão arterial foram atingidos por 26,3% e 27,8% das cidades, respectivamente.
Os dados são do Sisab (Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica), do Ministério da Saúde, referem-se ao primeiro quadrimestre deste ano e foram compilados pela ImpulsoGov, organização sem fins lucrativos que atua na gestão pública com uso de dados e tecnologia.
Eles foram extraídos do Previne Brasil, criado em 2020 na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e que foi substituído em abril deste ano por uma nova metodologia de cofinanciamento da atenção primária que continuará levando em conta o cumprimento de metas. Agora, serão 21 indicadores monitorados.
Os dados mostram que em quatro anos houve melhoria nos indicadores, mesmo naqueles que não alcançaram as metas. No primeiro quadrimestre de 2022, por exemplo, a taxa de municípios que não atingiram o controle mínimo foi de 97% para diabetes e 95% para hipertensão. Em abril deste ano, foram 73,7% e 72,2%, respectivamente.
Para Juliana Ramalho, gerente de saúde pública na Impulso, o programa possibilitou a medição de indicadores e demonstração do desempenho de cada município de forma clara. “Criou-se uma cultura de monitoramento, de mudança de cuidado. Uma coisa é o profissional atender, outra coisa é atender e registrar esse atendimento.”
Um exemplo foi que o aconteceu no município de Três Marias, em Minas Gerais, situado às margens do rio São Francisco. No início de 2022, quando começou a ser acompanhada pela Impulso, a cidade, de 30 mil habitantes, não tinha conseguido atingir nenhuma das metas do sete indicadores previstos no programa.
“A gente não conseguia fazer o monitoramento das metas, estava sempre no vermelho e perdendo recursos financeiros do ministério. Era muito angustiante”, lembra a secretária da Saúde, Euzenir Rodrigues Brands.
Entre as razões estava o fato de a gestão municipal não saber, por exemplo, quais eram e onde estavam os diabéticos e hipertensos sem acompanhamento ou as gestantes com consultas atrasadas de pré-natal. Por meio de uma ferramenta digital, foram montadas listas nominais de pacientes e cada uma das 12 equipes de saúde da família ficou responsável por acompanhá-los e inserir os dados na plataforma.
“A ferramenta puxa todos os dados inseridos e nos dá um panorama geral, vejo o que está em vermelho e o que estou devendo. A gente sabe exatamente para quem tem ligar, marcar consulta ou ir atrás na casa mesmo”, explica Camila Sâmara Alves Soares, coordenadora da atenção primária do município.
No primeiro quadrimestre deste ano, todas as metas foram atingidas pela primeira vez. No pré-natal, por exemplo, a meta era testar 60% das gestantes para a sífilis e o HIV e fazer com que 45% delas realizassem ao menos seis consultas. O município atingiu 76% e 69%, respectivamente, desses indicadores.
As metas para diabetes e hipertensão, que são dosar a hemoglobina glicada uma vez por ano e aferir a pressão arterial a cada seis meses de 50% dos pacientes com essas condições, também foram superadas_58% e 59%, respectivamente.
“Há uma população de pessoas com doenças crônicas crescendo em uma proporção muito maior do que crescem as equipes de saúde. A gente via, por exemplo, uma equipe de saúde da família com um médico para 4.000 usuários”, diz Juliana, da Impulso.
Como a diabetes e a hipertensão costumam ser condições silenciosas, também há dificuldades de engajamento do paciente. “Ele pensa: ‘por que tenho que ir ao posto de saúde se não estou sentindo nada’? É uma população resistente, que não faz prevenção. Nós que temos que fazer a busca ativa deles”, diz Euzenir Brands, de Três Marias.
Os últimos dados do Previne revelam ainda grandes disparidades regionais. Por exemplo: na região Norte, 32,4% das gestantes não fizeram o mínimo de consultas de pré-natal recomendado, enquanto no Nordeste esse índice foi de 13,2%, o menor do país.
Para Evelyn Kowalczyk dos Santos, gerente de parcerias e novos projetos da Umane, é preciso conhecer a fonte dessas desigualdades para enfrentá-las. Por exemplo, saber se está relacionada à geografia, à falta de infraestrutura, capacidade operacional e qualidade da rede existente.
“Há complexidades muito diferentes, desde a dificuldade de acesso das populações ribeirinhas na Amazônia até a disponibilidade de médicos e enfermeiros para completar equipes de atenção primária. A gente tem capital do Brasil que tem 17 vezes mais médicos por mil habitantes do que outra.”
Na sua opinião, nesse momento de mudança da política de financiamento da atenção primária é importante que sejam revistas as metas dos indicadores com base em critérios mais técnicos.
“A OMS [Organização Mundial de Saúde] fala que a cobertura do exame citopatológico tem que ser de 70%. Aqui a meta é de 40% e mesmo assim o pessoal não bate”, diz. De acordo com os dados do Previne, 62% dos municípios brasileiros estão abaixo dessa meta.
Segundo o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério de Saúde, Felipe Proenço, a nova forma de financiamento da APS e a reconstrução da ESF (Estratégia de Saúde da Família) deverá se refletir em melhorias dos indicadores e no aumento do acesso.
Na forma de financiamento anterior, as equipes eram pagas, em grande parte, pelo número de pessoas credenciadas na atenção primária. Porém, isso não significou que foram de fato atendidas. “Houve um excesso de credenciamento, acima do que as equipes têm condições efetivas de cuidar, de acompanhar.”
Proenço diz que mais de 11 mil equipes de saúde da famílias estavam com mais de 4.000 pessoas vinculadas a cada uma. “Mesmo cadastradas, havia milhões de pessoas que não foram atendidas nos últimos anos, o que puxou os indicadores para baixo.”
Existiam também outras distorções, como pessoas que foram cadastradas, mas que têm planos de saúde e não são acompanhadas nas unidades de saúde. “Mas havia uma cobrança nos indicadores.”
De acordo com ele, a meta até 2026 é criar 2.200 equipes de saúde por ano. Nos municípios de menor porte, a proposta é que cada equipe cuide de uma população de 2.000 pessoas. Nos de maior, 3.000 pessoas. O financiamento deve variar de R$ 28 mil a R$ 36 mil reais por equipe, a depender do tamanho e da vulnerabilidade da população atendida.
Segundo o secretário, a proposta é induzir boas práticas, municiando as equipes de saúde da família com informações. “As equipes precisam saber quem não foi vacinado para visita a casa, qual a gestante que não está fazendo a rotina de pré-natal.”