Bola

Pelé e a magia do futebol

Queria eu saber brincar com as palavras como Pelé brincava com uma bola de futebol. Quem sabe assim eu poderia escrever um texto que lhe fizesse justiça, retribuindo, ao menos um pouquinho, o encanto que ele me proporcionou ao assistir, hipnotizado, na tela da televisão (não tive a sorte de vê-lo ao vivo), suas jogadas geniais e os seus gols, cada um mais lindo do que o outro. Jamais conseguirei, claro. Mas quero aqui dizer um singelo e humilde “obrigado” ao nosso Rei.

E esse “obrigado” é, acima de tudo, por ter feito do futebol um espaço para brincarmos e sonharmos. O lúdico e o romântico de mãos dadas, seja para crianças ou adultos. Os molecotes nas calçadas tabelando com as paredes, na ausência de companhia, fingindo-se de Pelé. Os rapagões, altivos, em “arenas”, gramados ou campos de várzea por aí, mostrando uma habilidade por vezes inexistente, mas crentes que são dignos de carregar nas costas o divino número 10.

Quem há de culpá-los? Quem não queria jogar ou marcar um gol como Pelé? O Rei quebrava a barreira do impossível, do imaginável. Duvida? Vamos primeiro à Copa de 70. E sequer estou falando de bola na rede. O “não gol” diante do Uruguai, quando tirou o goleiro da jogada com uma ginga de corpo e, por um capricho do destino, mandou a bola para fora, foi um dos gols perdidos mais lindos do mundo. Quem há de dizer que aquele lance não foi simplesmente perfeito?

O que dizer então quando a jogava terminava com a bola no fundo do barbante? Em 1958, com apenas 17 anos, Pelé foi coroado Rei com uma das belas pinturas já vistas. Bola matada no peito dentro da área, chapéu no defensor sueco e, sem deixar a bola cair no chão, um chute completamente indefensável.

Pelé provou que o futebol é uma forma de arte. E uma das mais democráticas, pois não impõe limite algum a quem por esse ramo se aventura – seja social, racial, de tempo ou espaço. Jogadores de todo o mundo, profissionais e amadores, em um estádio padrão Fifa ou na mais reles travinha no chão de terra batida, podem produzir uma cena de rara beleza com a bola nos pés, que acabará eternizada por câmeras de TV, crônicas de jornais e, em sua principal ferramenta, a memória daqueles que a presenciaram.

É nesse aspecto que o futebol entra em uma dimensão especial. Torna-se uma coisa mágica. Floreamos aqui, deturpamos ali. Criamos a nossa própria realidade, uma versão só nossa dos fatos.

Querem um exemplo? Aos nove anos de idade, após a confraternização de fim de ano dos moradores da rua, em que os homens se fantasiavam de mulheres para jogar futebol, eu e meus amigos aproveitamos que as traves e as marcações de cal feitas no asfalto ainda demorariam um tempo para serem retiradas, e demos à nossa pelada um caráter mais sério, competitivo. Tivemos até um juiz, vejam só.

Pois bem. Nesse jogo, marquei um golaço. Recebi a bola de costas para a trave e senti a aproximação do goleiro. Pisei nela e rolei-a para trás, passando-a por entre as pernas do adversário, girando meu corpo para evitar ser agarrado e um toque para as redes. Uma obra de arte com a minha assinatura. E nenhum comentário posterior sobre como a jogada foi totalmente desengonçada vai me tirar isso.

Naquele dia, fui Pelé. Como todos aqueles que amam o futebol sonham e desejam ser.

* Carlos Eduardo Vilaça é jornalista e editor do caderno Bola