Após mais de uma semana de suspensão, as obras do Mercado da Terra Firme foram retomadas. Porém, do lado de fora, na feira provisória, os problemas causados pela reforma, que se arrasta desde julho de 2022, são extensos.
Lama, mau cheiro, ausência de saneamento, mobilidade precária, baixa clientela, alagamentos e espaço reduzido são só alguns dos transtornos vivenciados diariamente por quem depende da feira para se sustentar. Com atraso do prazo de término em um ano e 5 meses, os comerciantes afirmam que desconhecem uma nova data para entrega do espaço.
Com investimento de mais de R$ 3 milhões, a reforma faz parte de um convênio assinado pelo prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, e o governador Helder Barbalho, que repassou à prefeitura os recursos para a recuperação de 17 mercados municipais da capital. Apesar disso, as obras pararam por cerca de 10 dias após o desligamento da construtora responsável pelos trabalhos, que deixou a obra com apenas o piso e o telhado prontos, segundo informações dos integrantes da Comissão de Feirantes do bairro.
Ainda de acordo com as lideranças, o Ministério Público do Pará já tinha vistoriado a reforma e identificou inúmeras irregularidades, como a ausência do projeto da obra e falta de uso dos EPIs (equipamento de proteção individual) pelos trabalhadores. Foram duas reuniões marcadas com o MP, sendo que em nenhuma delas a empresa responsável esteve presente, o que resultou no afastamento e contratação de outra construtora, a qual está dando prosseguimento à obra.
O adiamento no prazo de entrega, previsto, primeiramente, para oito meses após a data de início das obras, tem causado transtornos econômico, de mobilidade e acessibilidade para quem trabalha ou transita pelo local. Remanejados ainda em 2022 para uma feira provisória, os comerciantes têm trabalhado em uma estrutura precária de madeira com corredores estreitos que já teve que ser reforçada pelos próprios feirantes.
“É uma feira provisória que passou a ser eterna. A situação daqui é comerciante que vai embora e o proprietário do ponto não consegue alugar para outro. Aqui do lado as lojinhas de roupa também estão fechando e muitos pontos estão abandonados, é a primeira vez que vejo isso por aqui. E tem mais: quem morava por aqui por perto perdeu as suas garagens, sem falar em pessoas idosas ou que moram há muito tempo aqui que perderam a acessibilidade”, relata Orlando Negrão, 43, liderança dos comerciantes da Feira da Terra Firme.
Além disso, a proposta do novo espaço não tem agradado os feirantes, que dizem que a feira continua com a mesma disposição de boxes como anteriormente. “Eles dizem que vão entregar a feira antes das eleições, como isso vai acontecer? Eles vão querer entregar a obra do jeito que tiver, por isso que eles não querem que a gente entre para fiscalizar porque estão fazendo de qualquer jeito. Quem entra lá se depara com as laterais com espaços ociosos que a gente já tinha lutado para que os feirantes não utilizassem como depósito”, diz a feirante Keila Cristina, 49, da Comissão de Feirantes do bairro.
Sujeira, muita lama e até ratos. Assim é a feira provisória
Alojados na avenida Celso Malcher, em uma estrutura improvisada, os feirantes relatam o esquecimento do poder público em relação ao local original de trabalho. Em meio à sujeira e falta de saneamento, eles reclamam que as condições do espaço provisório têm espantado a antiga clientela do bairro e de outras localidades de Belém. Ao léu, no centro de um dos bairros mais populosos da capital, eles veem a renda mensal minguar enquanto as obras da feira não terminam.
“Aqui é um espaço insalubre e os fregueses foram embora porque veem que a gente trabalha na madeira, que nem é recomendada quando se trabalha com alimento. O nosso movimento caiu bastante porque aqui é uma via de acesso ao bairro. Você saía da UFPA, da Ufra ou vinha do centro e parava aqui no carro, comprava e ia embora. Nós perdemos isso. Agora os clientes passam pela Perimetral porque a nossa principal rua foi fechada”, reclama o feirante Carlos Lima, de 47 anos.
Construída para abrigar os feirantes por oito meses, a feira provisória tem se tornado o tormento dos trabalhadores da Terra Firme por dois anos. Isso porque no inverno as chuvas alagam o local e os clientes desaparecem, enquanto no verão as telhas de brasilit esquentam os boxes de madeira, tornando quase impossível a permanência no local de trabalho. Por isso, os feirantes estão de mãos atadas esperando pela entrega do antigo espaço para que voltem a trabalhar com dignidade.
“Tá sendo difícil porque toda manhã eu tenho que levantar uma porta de madeira para abrir a banca, é um sacrifício. Como eu tinha dois espaços, na feira provisória me colocaram uma banca na frente e outra atrás e eu tenho que ficar indo de lá pra cá e saio daqui com as pernas inchadas de tanto esforço. Trabalho porque preciso e quanto mais eles enrolam na entrega da nossa feira, mas prejudicam a gente”, conta Laura Paixão, 77, feirante há 35 anos.
Se para os feirantes os problemas são extensos, para os frequentadores a feira provisória é sinônimo de falta de higiene. Essa situação só faz afastar os poucos fregueses que ainda optam pela feira para fazer o mercado da semana ou do mês. Além disso, o espaço não é nada seguro para os idosos, que relatam o medo em se machucar andando entre os corredores.
“A feira é uma imundície, muita sujeira, não tem saneamento, muita lama, são muitos problemas. A gente que é idoso anda com medo de cair nos buracos, não tem condição para nada aqui porque é tudo muito sujo. Eu venho para cá por necessidade de comprar algumas coisas, mas tenho muito medo de me acidentar, além da gente ver que tem ratos por aqui”, disse a dona de casa Joana Darc, de 66 anos.
O que diz a Prefeitura
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Belém, via Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb), enviou nota em que afirma que para acelerar as obras de revitalização da feira e mercado da Terra Firme, lançou o terceiro turno de trabalho, com serviços também pela noite e madrugada. A previsão de entrega, segundo a nota, é até a primeira semana de outubro deste ano.