ONG promove ações culturais e de conscientização sobre meio ambiente

ONG promove ações culturais e de conscientização sobre meio ambiente

Helena Taliberti hoje preside a ONG que leva o nome dos filhos, o Instituto Camila e Luiz  Taliberti, que realiza ações culturais e de conscientização sobre meio ambiente e direitos humanos. FOTO: Jozzuu JZ/divulgação

“Quando você perde o marido, você é viúva. Quando você perde os pais, você é órfão. Quando você perde os filhos, não tem nome… Essa é a Helena que surgiu a partir desse momento. Perdi minhas referências, perdi os pilares da minha vida.”

Força para resistir

Helena Taliberti fala da luta para levar adiante legado dos dois filhos após perdê-los em tragédia

Era um janeiro feliz. A advogada Camila Taliberti reencontrava o irmão, o arquiteto Luiz Taliberti, que há anos morava na Austrália. Ele e a mulher Fernanda Damian de Almeida vinham ao Brasil para reencontrar a família com uma novidade e tanto: iam ser pais de um menino. Era um janeiro feliz, estavam juntos e iam visitar Inhotim. Mas tudo foi soterrado pela onda de resíduos tóxicos liberados após o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão. Duzentas e setenta e duas pessoas morreram naquele 25 de janeiro de 2019. Camila, Luiz, Fernanda e Lorenzo, o menino que iria nascer, estavam lá.

Aquele dia mudou para sempre a vida da economista Helena Taliberti, que perdeu os dois filhos. “Perdi as minhas referências”, ela diz. A dor e a revolta acordam com ela todos os dias. Mas a impulsionaram para a ação, a partir do apoio dos familiares, amigos e amigas dos dois filhos. Foi da ideia deles que surgiu o Instituto Camila e Luiz Taliberti, que hoje ela preside. Criada logo após a tragédia, a ONG era uma forma de levar adiante os sonhos interrompidos dos filhos ao propor agendas de conscientização ambiental e relacionadas aos direitos humanos, e também não permitir que os fatos caiam no esquecimento. Tudo isso a partir do filtro da arte.

Uma dessas ações, a exposição de arte contemporânea “Paisagens Mineradas – Marcas no Corpo Território”, chega este mês de setembro a Belém, destino não aleatório, já que o Pará está entre os maiores produtores de minério do País. A mostra poderá ser vista na Associação FotoAtiva, entre os dias 5 de setembro e 5 de outubro.   

De São Paulo, onde mora, Helena Taliberti contou um pouco de como tem sido viver após a perda da família, e sobre o papel do instituto batizado com o nome dos filhos, em que eles renascem em memórias sempre presentes e em movimentos por um mundo melhor. 

P: Como eram a Camila e o Luiz? O que relembras deles todos os dias?

R: Camila era advogada especialista em Direito Digital e muito comprometida com a questão da defesa dos direitos humanos, meio ambiente, mulheres. Ela era muito engajada nessas questões sociais. Era uma pessoa muito alegre, tinha vivacidade, alegria de viver muito grande. E estava numa fase da vida muito legal, muito feliz com a chegada do irmão da Austrália, com a chegada do sobrinho. Enfim, estava superbem. Luiz era arquiteto e também engajado nas questões do meio ambiente, morava na Austrália, competente, muito centrado e comprometido com as questões da sustentabilidade nos projetos que executava. Era muito sensato, muito equilibrado. E estava realizado no trabalho lá na Austrália, em um escritório superlegal e recém nomeado diretor. Estava superfeliz casado com Fernanda e com a chegada do filho, estava numa fase muito boa da vida.

P: Quando rememoras os fatos, o que sempre volta ao teu pensamento?

R: Olha, quando eu lembro do que aconteceu, sinto dor e revolta muito grande. Se tivesse sido feito aquilo que precisava, nenhum deles teria morrido. Eles estariam todos aqui conosco. Não falo só do Luiz e da Camila, eu falo de todas as vítimas. Essas famílias, as nossas famílias, não precisariam estar sofrendo o que estão sofrendo. Me vem sempre na memória aqueles dias em que a gente não sabia o que tinha acontecido, a procura por eles, o desaparecimento e não ter notícias, não saber onde procurar, o que fazer, é muito, muito doloroso tudo isso. Na verdade, a tragédia só começou em janeiro de 2019.

P: O Instituto Camila e Luiz Taliberti surgiu em meio a essa dor. Como ele foi criado e como te ajudou, pessoalmente, a continuar?

R: O Instituto Camila e Luiz Taliberti surgiu por iniciativa dos amigos e das amigas do Luiz e da Camila, que propuseram, ao meu marido Vagner e a mim, criar uma instituição que desse voz ao que aconteceu, que não deixasse a memória dessa tragédia se apagar, que fosse lembrada para que outras tragédias não aconteçam e que a morte deles não tenha sido em vão. Essa união dos amigos e das amigas, para nós, traz mais leveza para nossa vida, sabe? Eu acho que esse amor que eles têm pelo Luiz e pela Camila, as histórias que eles contam das coisas que eles viveram juntos, como a Camila e o Luiz eram, para nós isso é muito gostoso, é muito bom tê-los por perto. Com certeza, esse amor, esse carinho, esse acolhimento deles é importantíssimo para mim, é importantíssimo mesmo, me sinto mais amparada nessa tragédia toda.

P: Que ações te orgulhas de estar contribuindo para promover a partir dele?

R: A importância de falar da tragédia aqui em São Paulo, fora de Minas Gerais, é porque essa tragédia teve uma dimensão nacional, uma dimensão global. Ela representa com muita clareza o descaso das grandes empresas com o meio ambiente, com as vidas humanas e com a própria humanidade, com as gerações futuras. Eu acho que é isso que é importante falar.

P: Nesses cinco anos, o Instituto se consolidou. Quais têm sido os desafios de presidi-lo? 

R: Nós somos daqui de São Paulo e falar aqui sobre mineração é um grande desafio, porque as consequências diretas da tragédia não estão aqui, estão lá em Brumadinho. Então, quando você fala aqui, é importante fazer as pessoas perceberem o mundo que nós estamos vivendo, como o ser humano é tratado, como a mineração age junto às comunidades, como é que as coisas estão acontecendo. Eu tenho muito orgulho de estar fazendo isso mesmo. Nós fizemos já duas mostras de cinema, em julho do ano passado e em julho desse ano, com quatro filmes em cada uma. São filmes muito bons, muito bem feitos, sobre as consequências da mineração junto às comunidades. Isso precisa ser dito, as pessoas precisam ter essa consciência. É preciso falar. O Instituto foi criado para ser voz, nossa e de quem mais precisar falar. Sempre.

P: Quem é a Helena que surgiu a partir desse momento? Achas que mudaste?

R: Olha… quando você perde o marido, você é viúva. Quando você perde os pais, você é órfão. Quando você perde os filhos, não tem nome… Essa é a Helena que surgiu a partir desse momento. Perdi minhas referências, perdi os pilares da minha vida. Mudei muito, mudei muito mesmo. Hoje em dia sou uma pessoa mais antenada com essas questões de proteção do meio ambiente, a questão das mulheres vulnerabilizadas, é o legado que eles deixaram mesmo. Eu fui colocada na frente de um cenário que eu não tinha a menor ideia que existia antes da morte dos meus filhos. A gente mora aqui em São Paulo, não tenho contato com esse setor. É sobre isso que falo, o que aconteceu precisa ser falado toda hora, porque não pode cair no esquecimento. Mudei nesse sentido, acho que precisa falar. Mudei muito, sim, não tenho dúvida disso, mas quem sou eu, confesso pra você que é difícil [dizer]. Perdi todas as minhas referências, estou tentando construir novas, estou tentando ir adiante porque não tenho outra opção, é isso.

P: Li que enfrentaste uma leucemia nos últimos anos. Como estás?  

R: Eu tenho uma leucemia crônica, que apareceu depois da tragédia. Com certeza tem conexão com o que aconteceu, não tenho dúvida disso. Eu estou bem, faço um tratamento, é uma quimioterapia oral, todos os dias. Tem vários efeitos colaterais e eu vou tentando lidar conforme vai dando. Os muitos efeitos colaterais me deixam às vezes mais fraca, mais desanimada, mas vamos indo. Tem que ir.

P: O que tem sido importante para ti para renovar a esperança e lidar com as perdas?

R: Olha, renovar a esperança, confesso, é uma coisa muito difícil. Por tudo que a gente passou, por tudo que a gente passa, é um grande desafio. Tenho me apoiado muito nos amigos e nas amigas da Camila e do Luiz que estão conosco no Instituto, tenho feito isso para poder me sentir mais viva, mais animada.

P: Tens contato com as famílias de outras pessoas que perderam a vida em Brumadinho?

R: Sim, eu tenho contato sim com outras famílias. Nós fazemos parte da Avabrum, a Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Brumadinho. Estamos sempre em contato e temos trocas muito boas.

P: Hoje, cinco anos depois, qual é o sentimento que tens diante de tudo o que aconteceu e da forma como ocorreu? Que fechamento esperas?

R: Olha, cinco anos depois, o que eu espero é justiça. Eu espero que haja o julgamento das pessoas que foram indiciadas. Espero que sejam responsabilizados, porque a impunidade é o que faz com que novas tragédias desse tipo aconteçam. Não dá para ficar impunes dessa forma.

Na verdade, Mariana foi a sirene de Brumadinho que ninguém deu atenção e até agora ninguém foi responsabilizado. Se tivesse sido, com certeza Brumadinho não teria acontecido.