O passado
salva, diz um mantra cultuado pelo cinema industrial de Hollywood desde pelo
menos 1999, quando George Lucas lançou “Star Wars: A Ameaça
Fantasma”, início de uma trilogia com passagens anteriores aos filmes de
1977 a 1983.
O prequel,
como é conhecido, não nascia ali, mas sugeria uma estratégia que, mesmo
estritamente comercial, pode ser interessante ao fidelizar a plateia de um
filme a outro numa dinâmica retrospectiva –sem necessariamente manter o mesmo
elenco e premissa. De certo modo, o céu é o limite para uma prequela.
Não faltam
exemplos, mas o caso de “Órfã 2: A Origem” é único. O filme de
William Brent Bell traz acontecimentos anteriores, mas citados em “A
Órfã”. Assim, a quem não viu o bom filme de 2009, fica a opção entre vê-lo
e quase se entediar com “A Origem” ou, melhor, ver o novo filme e
depois ir atrás do antigo. Até porque há uma inesperada –senão absurda, e por
isso divertida– virada no de 2022.
O que salta
como definitivamente inédito é a excelente Isabelle Fuhrman repetir o mesmo
papel da menina com ar doce mas verdadeiramente vil e engajada em destruir
lares, inclusive literalmente.
Fuhrman
tinha uns 10 anos quando atuou soberbamente no primeiro filme. Agora, aos 25,
faz a mesma personagem em momento anterior.
Além do
rejuvenescimento digital –o CGI–, trucagens e posicionamento de câmera fizeram
Esther parecer uma menina em relação aos seus pais feitos por Julia Stiles e
Rossif Sutherland. É uma impensável dobra no tempo que só existiria no cinema de
ficção científica.
Ainda assim,
há algo no semblante de Esther que sugere uma adolescente, o que ironicamente
se torna uma pista, já que a menina gosta de desestabilizar a relação dos pais
adotivos e barbarizar o irmão.
O apelo faz
sentido porque Fuhrman é uma imagem forte, e certamente um convite para
assistir aos antecedentes de Esther, personagem de um filme barato que acabou
se tornando cult naqueles anos.
Contextualizar
Esther num cinema que teve “Os Inocentes”, suspense com tinturas
góticas e surrealistas dirigido por Jack Clayton em 1961, não é um caminho, mas
uma referência. Ali, a falta de chão estava em duas crianças ingênuas terem uma
maturidade –e sadismo– forjada pela violência adulta, isso numa chave mais
sugestiva e ambígua.
Em registro
oposto, pois mais direto, há o cruel traficante de 12 anos que mata sem dó em
“Robocop 2”, filme de 1990 que mostra como certas violências não eram
sentidas no século 20.
Caso melhor,
é “A Caça”, de 2013, do dinamarquês Thomas Vinterberg. Uma aluna de 5
anos, triste porque seu professor não lhe dá atenção, dá a entender que ele
abusou dela, gerando ódio irracional nos amigos e comunidade. A menina faz um
mal extremo mesmo sem maldade a priori. A crítica fica na comunidade. O terror,
na possibilidade de acontecer com qualquer um.
Falta em
“Órfã 2” uma observação mais detida na personagem, uma densidade e,
mais fatal ao filme, um mistério. Este não era tão pleno no filme 2009, mas ali
havia um assentamento real no drama familiar.
O thriller
assumido não é um problema, nem quando não abre mão de suas regras, mas a alta
velocidade com que as concatena deixa o filme em piloto automático. Até porque
não é um thriller de ação. Só Julia Stiles, Isabelle Fuhrman, algumas
reviravoltas e a impressão de que há algo fora de prumo.
*
ÓRFÃ 2: A
ORIGEM
Onde: Nos
cinemas
Classificação:
16 anos
Elenco:
Isabelle Fuhrman, Julia Stiles e Rossif Sutherland
Produção:
EUA, 2022
Direção:
William Brent Bell
Avaliação:
Regular