ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Com o celular em mãos, as crianças tentam ligar para o Papai Noel o dia inteiro. Alguns querem falar com o bom velhinho a qualquer custo e insistem na chamada. Outras gostam de enviar “stickers” (figurinhas). O personagem que é encarnado por Gesualdo D’Avola Filho, 64, tenta contornar a situação com bom humor, mas diz que, ao tentarem falar com ele, os pequenos acabam atrapalhando seu trabalho.
“Eu mando mensagem avisando que as ligações me atrapalham, mas muita criança não sabe nem ler”, afirma ele.
Às vésperas do Natal e com encomendas a todo vapor, Gesualdo explica que as ligações interrompem muitas vezes as centenas de vídeos que ele se compromete a enviar para a criançada e fazem com que ele perca tempo de trabalho.
“Se eu atender, não paro mais.” Ele acrescenta que, se abrir exceções para algumas crianças, além de não ser justo com outras, teria que passar 24 horas caracterizado, com a roupa vermelha, o gorro e os óculos dourados.
Esse problema, continua Gesualdo, é algo com que ele precisa lidar há alguns anos, mas agora está ainda mais evidente. “Celular virou brinquedo na mão de criança. Descobriu que esse número é do Papai Noel, ela não para de ligar, insiste e eu sou obrigado a bloquear”, diz, rindo.
Gesualdo trabalha como Papai Noel desde o Natal de 2012. Antes da pandemia, costumava conciliar a agenda natalina com a de motorista de aplicativo. Porém, quando a crise sanitária chegou, ele preferiu se resguardar e deixou a vida no trânsito de lado.
Agora ele se dedica ao personagem o ano inteiro. Por exemplo, os pais costumam encomendar um vídeo para ajudar a criança a largar a fralda, a chupeta, e se arrumar bem. Para Gesualdo, o Papai Noel tem o dom de ser uma pessoa rígida, ao mesmo tempo em que é o bom velhinho.
Ele faz vídeos, mas o trabalho não inclui telefonemas nem ligações de vídes para as crianças. Áudios só recebe para entender a pronúncia dos nomes de crianças que “nem Cristo consegue ler”.
Para encomendar um vídeo, Gesualdo deixa o caminho das pedras nas suas redes sociais. Basta que as pessoas enviem para ele o nome e a idade da pessoa que receberá a gravação, que é gratuita. Apesar de não cobrar pelo vídeo, ele encaminha os dados de uma conta bancária para a transferência de qualquer quantia, que diz reverter em presentes para crianças carentes.
Gesualdo afirma que a demanda neste ano foi grande, mas que seguiu o trabalho como nos anos anteriores. Nas redes sociais, no entanto, alguns comportamentos têm deixado o Papai Noel chateado.
Um deles, diz, é que muita gente acha que o bom velhinho tem 24 horas de disponibilidade. Ele conta que, mesmo que reforce o pedido de que as informações sobre a criança sejam passadas a ele por mensagem, é comum que famílias encaminhem orientações por vídeo, o que torna a tarefa muito mais complicada.
“É melhor mandar por mensagem a idade, o nome, a ideia e pronto. Eu já leio e é pá-pum. Os vídeos são bonitos e eu gostaria de ter tempo para isso. Mas, se for fazer isso, vou perder tempo e vou deixar de gravar outros vídeos”, lamenta Gesualdo.
E relata outro aborrecimento: quando não leem as instruções para fazer o pedido do vídeo e lotam sua caixa postal com perguntas. “A pessoa está na minha página, mas tem preguiça de ler. Nem curte a página e quer tudo mastigadinho na mão. O que que eu faço? Como é que faz?”
Gesualdo ainda faz um alerta aos pais e responsáveis por crianças que têm fácil acesso ao celular e ligam ininterruptamente para ele. “Por questão de segurança, não interajo sem a companhia dos pais. Elas estão falando com um Papai Noel responsável, mas poderiam estar falando com qualquer outro agindo de má-fé.”
Sobre os brinquedos que as crianças relatam querer, ele diz que cada ano tem aquele que é o queridinho da vez. Neste, por exemplo, as meninas estão atrás do chamado “bebê reborn versão menino” –uma cópia ultrarrealista de um neném recém-nascido. Já os meninos estão mais ecléticos com pedidos relacionados à Copa do Mundo: figurinhas, álbum, bola e algo voltado a games.
Ele calcula que, desde o início da carreira, já tenha enviado ao menos 70 mil gravações para crianças e famílias. “Só o urso polar e o pinguim não receberam meus vídeos”, brinca. Neste ano, a agenda de Natal Gesualdo já está lotada e ele parou de aceitar pedidos –agora, só em janeiro.
Mas sempre tem aqueles que insistem em dar um jeitinho. “Tem uns que pedem e falam que vão me fazer um Pix, mas não vou abrir exceção para ninguém. Não é justo abrir exceção para um e não para o outro”, afirma.
O que o motiva a continuar com o trabalho, ele diz, é o amor pelas crianças, mas, diante de tanta demanda, pede calma. “Ainda estou com quase 800 pedidos para serem atendidos, ho ho ho. Tenham paciência”, esclareceu Noel aos seguidores nas redes sociais, ainda no início de dezembro.