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Para deixar ir embora

Paul Mescal e Frankie Coiro brilham em um filme de detalhes e pequenas emoções FOTO: reprodução
Paul Mescal e Frankie Coiro brilham em um filme de detalhes e pequenas emoções FOTO: reprodução

Com 35 anos, a escocesa Charlotte Wells estreou na direção de longas-metragens com um feito impressionante. “Aftersun” (2022) estreou arrebatando plateias e premiações pelo mundo. A história de um pai que leva a filha de 11 anos de férias para a Turquia, como uma espécie de despedida (ou recomeço), é tocante e envolvente como bom cinema.

É claro que a realizadora ainda guarda alguns maneirismos dos iniciantes, ao investir demais em planos alternativos apenas como exercício estilístico. Mas é uma porção ínfima de uma estrutura narrativa objetiva que privilegia o olhar cinematográfico e a força da atuação dos seus personagens, Callum (Paul Mescal, arrebatador) um homem em crise que foi pai cedo demais e vive em conflito psicológico (mesmo que o roteiro não deixe claro qual é) que tenta dar uns dias agradáveis de companhia à Sophie, de 11 anos (Frankie Coiro, encantadora) em um cenário paradisíaco.

Nessa premissa simples, dentro de um espaço limitado de convivência entre um ser em construção de vida e personalidade, e outro que está se despedaçando física e emocionalmente, que Wells demonstra uma potência artística impressionante.

“Aftersun” é capaz de manter o interesse do espectador nesse jogo lúdico de vivência forçada, cortado apenas por pulos temporais esporádicos, que têm sua razão de ser, reforçando as qualidades do roteiro. A edição alterna imagens de uma câmera caseira e a filmagem tradicional, mantendo o foco em detalhes ou enquadramentos que reforçam a confusão mental do protagonista ou a curiosidade da menina com o mundo em volta.

Paul Mescal e Frankie Coiro brilham em um filme de detalhes e pequenas emoções FOTO: reprodução

Há um clima no ar frequente de tragédia que não se concretiza já que, no fim das contas, talvez não seja essa a intenção. O custo de viver e se relacionar com os outros, mesmo aqueles conhecidos que praticamente desconhecemos, já é alto demais para forçar sentimentos que já estão embutidos nos gestos, feições e entonações e, aqui, Mescal brilha. Dá para distinguir os momentos claros de confusão, alegria ou tristeza, sem que ele precise dizer uma única palavra.

“Aftersun” é um filme verdadeiro, de memórias afetivas e com a plena consciência da própria finitude, como obra e temática. Quando as portas se fecham por detrás de um personagem, na última cena antes dos créditos, o horizonte se abre e se fecha, em um sentimento agridoce de agonia pelo viver e estar perto de quem se ama, mas também de deixar esse sentimento ir embora, como o fluxo das correntes de águas e corredores, outros elementos constantes aqui. Para ver com atenção.