Uma vida intrigante, repleta de histórias dignas de um roteiro de cinema, remontam a Flordelis, ex-deputada federal que se tornou conhecida na década de 1990 e este mês foi condenada a 50 anos de prisão pela morte do marido, o pastor Anderson do Carmo. Toda essa trajetória até o crime foram alvo da investigação do jornalista paraense Ullisses Campbell, que lança hoje em Belém o livro “Flordelis, a Pastora do Diabo”, com uma sessão de autógrafos às 18h30, na livraria Leitura do shopping Pátio Belém.
O livro encerra uma trilogia batizada por ele de “Mulheres Assassinas”. Antes Campbell escreveu “Suzane” – Assassina e manipuladora, que mergulha no Caso Richthofen, e foi a base para os longas-metragens “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino Que Matou Meus Pais”; e ainda “Elize Matsunaga” – A mulher que esquartejou o marido”, que aborda o assassinato do herdeiro da indústria de alimentos Yoki, o empresário Marcos Matsunaga.
Foram dois anos para coletar informações sobre o caso e conhecer sua protagonista, período que envolveu conversas presenciais com a mãe de Flordelis, conhecida como “bruxa” e quem ensinou a filha desde cedo a ocultar as entidades satânicas que adorava sob a bússola moral das crenças evangélicas.
“A acusação levantou que a Flordelis fazia rituais satânicos e feitiçaria, mas o livro mostra que ela era uma charlatã, porque tentava impressionar os outros. Mas ela não sabia nem cultuar, porque o satanismo é uma corrente cultuada por intelectuais, bem esclarecidas, que requer muito estudo. Flordelis, não, ela era um embuste, ela nunca foi mãe dessas 50 crianças. O livro mostra que ela montou uma organização criminosa que ela chamava de família. O livro é um desmonte da imagem de Flordelis”, afirma Ullisses, jornalista vencedor de três prêmios Esso de Reportagem e um Embratel de Jornalismo, com passagens pelo jornal “Correio Braziliense” e pela revista “Veja”, entre outros veículos.
A produção do livro começou no processo de investigação policial. “O processo me direcionou na pesquisa. Ele é a base de tudo, mas representou dez por cento de toda a pesquisa. Depois fui atrás das pessoas que estão próximas da Flordelis, a família, a mãe, as irmãs, os filhos, advogados, promotores de acusação. Também fui atrás de especialistas, antropólogos e sociólogos para entender esse mecanismo da religião, que é a base de todo o livro. Depois fui atrás de psicólogos para entender a mente de Flordelis, de um assassino. Além de perito, delegado, investigador”. detalha.
Ullisses conta que quando decidiu pelo título desta publicação, não esperava que os adjetivos escolhidos seriam tão impactantes. “Eu estava no lançamento em uma livraria grande em Brasília e quando alguém anunciou em alto-falante a sessão de autógrafos do livro, ‘Flordelis – a Pastora do Diabo’, disse ‘que pesado’. Então, percebi que as pessoas não citavam o título, apenas o nome dela. Acho que as pessoas ficam muito chocadas por ser um livro sobre religião, mas a palavra diabo tem o sentido altamente figurado”, explica.
Mas diz também que durante sua pesquisa percebeu que o nome Lúcifer era mais mencionado nos cultos da pastora do que Deus. “Eu fui em alguns cultos dela e vi que ela falava mais no nome do Diabo que de Deus, que é uma forma inclusive que os pastores usam para manter os fiéis dentro da Igreja, dizendo que ali é a casa de Deus e que o Diabo está lá fora, no bar, no cinema e na televisão. Daí vem a origem do título”, reitera.
O jornalista conta que o nome de Flordelis surgiu quando ele ainda estava em processo de finalização do livro sobre Suzane Richthofen.
“Flordelis entrou num momento que eu fui muito cobrado para fechar a trilogia. Ela estava sendo cassada, perdendo mandato, a caminho do banco dos réus. Tem uma coisa que as pessoas acham que é muito fácil escolher a pessoa que você vai biografar, mas não é. Às vezes você começa a pesquisa e descobre no meio dela que o personagem não rende. A Flordelis era deputada, mãe de 50, uma figura midiática e estava sendo indiciada, e tinha como pano de fundo a religião”, lembra ele.
Para Campbell, Flordelis queria se livrar da dominância de Anderson
A excentricidade de Flordelis contribuiu para que ela fosse uma personagem com muitas facetas a abordar em um livro. “Ela é muito excêntrica, até a advogada dela fala isso. Ela é muito cheia de caras e bocas. Ela coleciona perucas, é muito afetada, charlatã, tipo João de Deus, que finge que faz curas, finge que é profeta. Ao mesmo tempo em que ela subia no púlpito para pregar, como se tivesse uma procuração de Deus, quando o culto acabava, ela ia com o marido e uma filha e o genro para uma casa de suingue, fazer sexo com pessoas desconhecidas. Ela é muito complexa, cheia de camadas, isso que a torna interessante”, descreve Ullisses, que começou a ter contato com a história e a vida de Flordelis quando ela era deputada federal, e ele ainda trabalhava no livro sobre Suzane, em 2019.
A complexidade também está em torno da relação da ex-deputada com Anderson. “Florelis conheceu Anderson como namorado da filha Simone, que terminou o relacionamento com ele. E aí Flordelis adotou ele como ‘filho’. Ela fazia uma evangelização na madrugada, supostamente tirando pessoas do tráfico para dentro da Igreja. Então, precisava de uma espécie de segurança, porque era uma área perigosa, a favela do Jacarezinho, uma das mais violentas do Rio de Janeiro. O Anderson passou a acompanhá-la nesse trabalho. Ali, começaram um relacionamento amoroso, ele com 14 anos, ela com 37 anos”, conta o jornalista.
Outro ponto é a relação de Flordelis com os “filhos”. Ela adotou legalmente 13 filhos dos 50 filhos, mas houve adoções ilegais, diz Ullisses. “Flordelis forjou processos, inclusive disse que tinha um filho biológico com Anderson, mas depois descobriu-se que não era, que tinha sido roubado, porque ela fazia isso. No meio dos 50 filhos, havia crianças roubadas, filhos biológicos, outros adotados. Tinham mães que entregavam o próprio filho para ela porque não tinham condições de criar. Outras que entregavam para buscar mais tarde, mas ela não devolvia. Outras ainda que deixavam as crianças com ela porque não tinham como pagar uma creche. Era uma miscelânea. Ela era uma pastora pop, as pessoas gostavam dela, inclusive famosos”.
Para o autor, Flordelis é uma criação de Anderson. “Ela captou ele porque estava interessada nele, mas o Anderson se tornou um líder muito superior a ela. Flordelis, como uma marca e deputada, é uma criação do Anderson. Ele era muito mais poderoso que ela na oratória e nos traquejos. Ela, por sua vez, entregou a própria vida nas mãos dele. Ele a ensinou a pregar, a transformou na aparência e sabia que faria muito sucesso se ela passasse por um processo de branqueamento, então ele que botou as perucas loiras para ela usar e a vestia em alta costura. Ele dizia que quando tivesse 50 filhos, a transformaria em mãe do Brasil. Era tudo ele, foi quem planejou Flordelis como deputada federal e quem a levava nos programas de TV, na Ana Maria Braga, na Xuxa, na Hebe Camargo. Ele pegava o telefone e ligava”.
Adeptos de um relacionamento livre, ambos podiam transar com quem quisessem, observa o autor. “O que fez Flordelis decidir matá-lo é que ela queria a vida dela de volta. Ela era altamente controlada por ele, vendeu 11 milhões de discos, mas era remunerada com o que ele passava para ela. Ela dizia nestes termos: ‘eu vim da merda, era extremamente pobre, mal comia arroz, ovo e salsicha’. Mas depois descobriu que em vez de receber tanto por show ou produtos musicais, podia receber muito mais. Flordelis decidiu acabar com a vida do marido por acreditar que uma separação seria um escândalo no meio evangélico. O livro vem para explicar essa simbiose entre Anderson e Flordelis”, diz.
Texto: Wal Sarges/Repórter do Caderno Você
LANÇAMENTO
“Flordelis – A Pastora do Diabo”
Autor: Ullisses Campbell
Editora: Matrix
Páginas: 304
Preço: R$ 69
Sessão de autógrafos em Belém
Quando: Hoje, às 18h30.
Onde: Livraria Leitura (Pátio Belém – Trav. Padre Eutíquio, 1078 – Batista Campos)