Ao escrever que faltou um Modric, um excelente jogador, ao Brasil, não quis dizer que ele é um Pelé, ou mesmo um Didi ou um Gérson, um craque no meio-campo.
Quis enfatizar que o Brasil, há décadas, priorizou a formação de meias e atacantes hábeis e dribladores, símbolos do talento individual, e ignorou a formação de meio-campistas, organizadores, com ótimo passe, símbolos do jogo coletivo. Será que esse comportamento é um espelho da individualidade da sociedade brasileira?
Tite, que, após a derrota para a Bélgica em 2018, sonhou durante quatro anos com De Bruyne, vai sonhar mais quatro com Modric, dois craques meio-campistas. Não é coincidência.
Alguns comentaristas insistem em escalar um trio no meio-campo do Brasil. Neymar é um meia-atacante, que recua apenas para receber a bola, e Paquetá, posicionado no meio-campo, se destaca quando chega ao ataque, como na tabela com Neymar, no gol contra a Croácia.
Quase todas as principais equipes e seleções do mundo possuem um trio de meio-campistas, como Croácia, Argentina, França, Inglaterra, Portugal, Manchester City, Liverpool e Real Madrid, dirigido por Carlo Ancelotti. Ele seria uma ótima opção para a seleção brasileira, como tem sido dito.
A Argentina está na final, merecidamente. O técnico Scaloni colocou quatro meio-campistas para bloquear o ótimo trio da Croácia. Deu certo. Os quatro marcaram, protegeram a defesa, trocaram passes e participaram das jogadas ofensivas.
O primeiro gol saiu de um passe longo, belíssimo, do jovem Enzo Fernández, uma das grandes revelações do Mundial, seguido por um pênalti, cobrado por Messi. O segundo, de Julián Álvarez, em um contra-ataque, com a ajuda dos erros dos dois zagueiros. O terceiro foi novamente de Álvarez, após uma maravilhosa jogada de Messi. Um espanto.
Diferentemente dos inúmeros campeonatos com jogos classificatórios espalhados pelo mundo, em que, de vez em quando, um time pequeno, inferior, ganha o título, nunca houve uma zebra na Copa do Mundo. Um dia pode ocorrer.
Marrocos só levou um gol na Copa, mesmo assim contra. Não há nenhum segredo tático. O que existe é uma ótima execução do que foi planejado. A equipe marca com duas linhas de quatro, compactas, e perto da área. Às vezes, mais um jogador passa a fazer parte de uma dessas linhas. Cada defensor tem um protetor. Assim, faz a maioria das equipes em todo o mundo, que enfrenta adversários superiores. De vez em quando pode dar certo. A novidade são as vitórias seguidas de Marrocos contra grandes seleções.
No Mundial de 1994, nos Estados Unidos, a Nigéria encantou a todos, pelo jogo descontraído, ofensivo e com muita fantasia e talentos individuais. Eu estava lá. Dois anos depois, a Nigéria, com a mesma equipe, ganhou a medalha de ouro nas Olimpíadas de Atlanta, após eliminar, nas semifinais, o Brasil, que tinha quase o mesmo time campeão mundial de 1994, e a Argentina, na decisão.
Na época, imaginei que, de 20 a 30 anos depois, uma seleção africana seria destaque em uma Copa do Mundo. Marrocos está na semifinal, mas com o estilo quase oposto ao da Nigéria de 1994. O futebol mudou e ficou globalizado.
A França é favorita, mas nada é certo. Assim como a natureza e o universo são indiferentes para o que acontece em nossas vidas, o futebol, por mais científico que seja, é, com frequência, submetido às circunstâncias do momento e do improvável.
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Tostão é cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina