Carol Menezes
As mulheres paraenses estão denunciando mais e calando menos. Titular da unidade da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) que fica em Ananindeua, região metropolitana de Belém, a delegada Andreyza Teixeira afirma que o medo cada vez mais sai de cena para dar lugar à coragem e à consciência de que não cabe tolerância a nenhum tipo de agressão, independente de ser primeira vez ou não.
De acordo com dados do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, atualmente, há 45.241 processos de violência doméstica contra a mulher tramitando nas varas especializadas. Dessas, 197 são ações penais de feminicídio. Em 2022, foram expedidas um total de 17.120 medidas protetivas.
“Hoje muitas vítimas não tem esperado várias violências acontecerem de uma forma muito mais severa para procurar uma delegacia”, confirma a autoridade policial. Andreyza conta que o cometimento de injúria já às leva a uma Deam. “Já é suficiente para o pedido de uma medida protetiva. A maioria não aguarda essa violência ir se agravando, sair de um xingamento para uma ameaça, de uma violência psicológica para uma agressão física”, reforça.
A principal citação nos boletins de ocorrência é violência moral, sendo a injúria e a violência psicológica as principais denúncias. “Dentro da violência psicológica tem o crime de violência psicológica e ameaça, são os principais crimes que a vítima nos relata na delegacia”, detalha Andreyza.
A Deam trabalha integrado ao ParaPaz, já que trata-se de um trabalho em rede, na qual a vítima recebe um suporte psicossocial necessário, seja para denúncia, para orientação, para conversa. “Não é preciso vir somente no estopim, no momento crítico, embora seja via de regra. A lei Maria da Penha fala de cinco tipos de violência: física, patrimonial, sexual, moral e psicológica. Então acontecendo qualquer tipo de violência contra essa mulher ela pode procurar uma delegacia”, orienta a delegada.
Os constantes aprimoramentos na legislação, segundo ela, tornaram mais viável a tipificação/identificação do crime vivenciado, por mais “brando” que seja.
“Eu sempre falo que a gente enquanto mulher é socializada a se acostumar ao desconforto, em várias coisas. Então o que nos deve levar a uma Deam é mesmo o primeiro desconforto de uma relação. A gente tem que dar o basta, impor os limites e até isso a gente é ensinada a deixar pra lá, não impor certos limites porque vamos ser taxadas de pessoas histéricas. E quando você impõe à pessoa que não te chame assim, não te trate assado e esse limite não é respeitado, trata-se uma violência sendo praticada, portanto cabe denúncia à Deam”, alerta.
PASSO A PASSO
Na Delegacia, após passar pelo acolhimento, a vítima é ouvida sobre suas demandas sociais, que podem ser dependência financeira em relação ao agressor, filhos, dentre outras, que tornam ainda mais essencial a existência de uma rede de atendimento.
“Se a gente não trabalhar em rede, chamar os órgãos que podem ajudar essa vítima a cadastrar essas crianças, ver creche, receber qualquer tipo de benefício social do governo, entrar no aluguel social, ver de que forma essa vítima pode ser inserida no mercado de trabalho, a probabilidade dessa vítima voltar para o agressor é muito grande, e não é o que a gente quer”, justifica.
A denúncia gera uma investigação, oitiva de testemunhas se houver, indicação das provas se houver. “A vítima solicita geralmente restrições como afastamento do agressor do lar e proibição do agressor de falar com a vítima, são as mais pedidas. O objetivo é preservar a integridade psicológica e física da vítima, afastar o agressor para que ela possa se estabelecer, se recuperar, se reconstruir e impedir novas violências”, analisa a delegada. Os pedidos de medida protetiva são analisados e concedidos pelo Judiciário, em média, em até 24hrs.
Feito isso é aberto um inquérito para que haja investigação sobre o crime denunciado. As medidas protetivas são bastante eficazes, segundo Andreyza.
“Este ano cerca de 60 mulheres foram denunciar o não cumprimento, é um número baixo para o universo de medidas pedidas e concedidas, muito embora a gente saiba que a subnotificação é uma realidade. Os agressores ficam receosos já que trata-se da materialização do Estado interferindo naquela situação e também a materialização do desejo da vontade da vítima de não permanecer naquela relação”, finaliza a autoridade policial.