Nildo Lima
Foram-se os anos – ainda bem – nos quais a frase “futebol é coisa de homem” era tão popular entre os brasileiros quanto o próprio esporte. Até mesmo dentro do universo feminino a sentença, por puro preconceito, era bastante propalada em todos os cantos do país. Já faz um bom tempo que a mulher bate um bolão dentro e fora das quatro linhas do campo, quebrando tabus que pareciam indestrutíveis. Conquistas ratificadas, agora, no Mundial do Qatar, coincidentemente realizado em um país tido como machista na visão ocidental. A presença de Renata Silveira, 33 anos, narrando jogos da Copa em um canal aberto de televisão comprova que elas estão mesmo inseridas no mundo da bola.
A inclusão de Renata na equipe da TV Globo, que cobre o Mundial, não chega a ser algo inédito na vida da narradora. Na Copa passada, em 2018, na Rússia, ela iniciou a trajetória na “telinha”, mas em canal fechado, a Fox Sports, isso depois de narrar, in loco, o Mundial de 2014 para uma emissora de rádio. Após sua estreia na Copa do Qatar, narrando o jogo entre Dinamarca e Tunísia, pela primeira fase do campeonato, Renata festejou: “A porta está aberta, mulherada. Pode entrar!” Foi assim que ela se manifestou em uma das redes digitais.
A porta do jornalismo esportivo, que dá acesso às mulheres, na verdade, está aberta faz algum tempo. Para ser exato desde 1983, quando a paulista Regiani Ritter, hoje com 75 anos, passou a empunhar o microfone da rádio Gazeta, de São Paulo, como a primeira mulher a atuar na função de repórter de campo. O pioneirismo protagonizado pela locutora nascida em Ibitinga acabou por motivar outras mulheres a dar um chute no machismo e a ombrear com os homens no jornalismo esportivo brasileiro, seja no rádio, jornal e na televisão.
A iniciativa desbravadora de Ritter também motivou a mulherada paraense da comunicação a perder o medo e mostrar que também entende do traçado. Se antes por aqui, a mulher envolvida com o jornalismo esportivo era algo raro, hoje, elas estão espalhadas nas mais diversas atividades do ramo. São editoras, repórteres e comentaristas nos diferentes segmentos da imprensa.
PIONEIRA – Uma delas – Paula Marrocos – chegou a narrar futebol nas ondas do rádio, numa iniciativa pioneira da rádio Clube do Pará, em 2019, por ocasião da decisão do Parazão de futebol feminino. É evidente que este foi um caminho aberto no cenário local por jornalistas ousadas – ao estilo Ritter -, entre elas a experiente Ana Diniz, que editou por algum tempo o caderno de esporte do jornal A Província do Pará. No rádio e na televisão também não faltaram mulheres de pulsos fortes para mostrar que lugar de mulher na imprensa esportiva paraense, assim como em qualquer outra atividade, é mesmo onde ela quiser.
O talento feminino nas páginas do bola
O DIÁRIO desde o seu aparecimento aposta no potencial da mulher, acolhendo em sua redação uma grande quantidade delas em diferentes editorias. No caderno de esportes, denominado de Bola desde 1998, a presença feminina sempre foi marcante. As repórteres Adriana Monteiro e Elena Brito, hoje atuando em outros ramos do jornalismo, foram algumas das jornalistas que deixaram seus nomes nas páginas do jornal em matérias que contam o dia a dia do esporte local em diferentes épocas.
Mais recentemente, Kezia Carvalho também compôs o time de repórteres do jornal. Antes, também Keila Gibson, Carla Lima, Anna Peres e Franciane Santos foram figuras presentes nos estádio, ginásios e outros locais destinados à prática do esporte, tendo como missão coletar informações e repassar aos leitores do jornal.
No momento, por uma simples questão de circunstância, o DIÁRIO não conta com nenhuma repórter de texto em sua equipe de cobertura esportiva, o que não significa que a mulher perdeu espaço na publicação. Para compensar a ausência do texto de lavra feminina no jornal, está a presença de Irene Almeida como fotógrafa, que cobre os treinos e jogos dos nossos clubes de futebol, entre outros esportes. Irene segue caminho aberto por outras profissionais do ramo da imagem. Caso, por exemplo, de Paula Sampaio, que chegou a ser figurinha carimbada nas atividades esportivas locais, sobretudo no que diz respeito ao futebol.
“Trabalho de formiguinha” que começa a ser reconhecido e render frutos
A jornalista Mariana Malato iniciou sua carreira na televisão em 2014, ano da última Copa do Mundo no Brasil, como apresentadora do programa Camisa 13, da RBATV. De lá para cá, lá se vão nove anos. Tempo suficiente para que muita coisa mudasse na participação da mulher na imprensa esportiva local e nacional. Uma alteração, que Mariana pôde constatar ao lado de outras profissionais do ramo. “O cenário era totalmente diferente do que vemos hoje”, compara a jornalista, que admite ter enfrentado certa dose de dificuldade ao estar envolvida em uma atividade que tem até hoje o sexo masculino como majoritário.
“Lembro até hoje da dificuldade em dar uma opinião sem que se questionasse a minha capacidade de estar ali fazendo o que queria fazer”, conta. Mas, aos poucos, ela foi se impondo ao mesmo tempo em que via o time feminino crescer de tamanho na imprensa esportiva local. Um espaço, que, na opinião de Mariana, continua se expandindo gradativamente.
EVOLUÇÃO GRADATIVA – “É um trabalho de formiguinha.” Usando como referência a Copa anterior, disputada em 2018, na Rússia, para a de agora no Qatar, a jornalista festeja o aumento no número de “coleguinhas” que ganhou. “A participação feminina triplicou da última Copa para essa que estamos vivendo!”, contrapõe Mariana. Motivo de contentamento, também, para a jornalista paraense é o desempenho das mulheres que estão envolvidas diretamente na cobertura do Mundial no país árabe. Casos de Renata Silveira, Natália Lara, ambas narradoras, Ana Thaís Matos e Renata Mendonça, comentaristas, todas pertencentes ao grupo Globo, sem falar no exército de repórteres que estão no Qatar trabalhando em diferentes meios de comunicação.
“Elas estão dando um show! Provando que não deixam absolutamente nada a desejar, que entendem do assunto e que são tão capazes quanto os homens”, festeja Mariana, que vê na atuação das jornalistas no Mundial, um fator de estímulo para que outras jornalistas que gostam de esporte tomem a iniciativa de colocar o machismo para escanteio e reforcem a equipe feminina do jornalismo esportivo. “Para as que estão sonhando, se inspirando, eu diria que é um caminho brilhante e que somos totalmente capazes. Não se intimidem”, diz. O convite está feito.
Narrar uma partida é experiência desafiadora
Jornalista versátil, daquelas que pode se dizer que joga nas 11 posições, Paula Marrocos convive o dia a dia da notícia esportiva. Ela começou no rádio, em 2017, se transferindo depois para a RBATV, atividade que desenvolve paralelamente ao jornalismo online no DOL. Marrocos conta em sua trajetória jornalística com o feito inédito, em se tratando da radiofonia local, a narração de uma partida de futebol, em 2019, quando contou, ao lado de Lauany Challiê, nas reportagens, e Karen Senna, nos comentários, a história da decisão do Parazão feminino daquela temporada entre Clube do Remo e Esmac.
“Foi a primeira transmissão 100% feminina do rádio nas Regiões Norte e Nordeste”, ressalta, orgulhosa, a jornalista. Marrocos revela que a cobertura fazia parte de seus sonhos na profissão. “Eu sempre almejei narrar um jogo de futebol”, diz. “A experiência em narrar uma partida para a rádio foi desafiadora, mas sensacional”, afirma. A jornalista informa que tem outras ambições no âmbito do jornalismo esportivo. “Pretendo estudar mais, me ambientar ainda mais com o meio para poder narrar uma partida na TV. É um sonho que pretendo realizar em breve”, avisa.
Marrocos se diz feliz com a evolução da participação feminina no segmento do jornalismo esportivo no Estado, sobretudo em Belém. “A cada dia nossa participação aumenta. Novas profissionais vão surgindo e, assim, as portas vão se abrindo para quem ama o futebol e outros esportes, como eu”, argumenta a jornalista, sem deixar de reconhecer o incentivo dos radialistas e jornalista que já estão há mais tempo no ramo, como é o caso do pai dela, o repórter Paulo Sérgio Pinto, da rádio Clube do Pará. “A parceria e o apoio dos homens desse meio é muito importante”, lembra.
Sabrina Rocha: “Na época em que comecei, só havia eu de mulher”
A lista de mulheres que já atuaram e que continuam labutando no jornalismo esportivo local parece interminável. Mas, nem sempre foi assim. Que o diga a jornalista paraense Sabrina Rocha, que teve passagem pela TV Cultura do Pará, no final da década de 1990 e que há 19 anos integra a equipe de esportes da TV Globo Nordeste, sediada em Recife, Pernambuco.
“Na época em que comecei na Cultura só havia eu de mulher”, conta. “Antes era só a Syanne Neno, que foi para a TV Liberal”, explica. “Sentia-me perdida, sozinha, sem ter alguém do mesmo sexo para compartilhar daquele mundo masculino”, recorda. Antes de deixar Belém, Sabrina viu o cenário começar a mudar, mas ainda de forma bastante acanhada em termos da presença feminina no jornalismo esportivo local. Hoje, trabalhando ao lado de tantas outras mulheres, ela questiona a situação que vivenciou no começo da carreira.
“Questiono-me como podemos passar tanto tempo sem ter mulheres cobrindo futebol. Pergunto-me como demoramos tanto a ocupar esses espaços”, diz Sabrina, admitindo que o sexo feminino ainda tem muito a fazer na comunicação esportiva. “Mesmo com tantas vitórias, ainda precisamos conquistar mais espaço e, principalmente, no que diz respeito às críticas preconceituosas que sofremos”, afirma.
“Sinto um orgulho danado ao ver o trabalho das meninas no Qatar, que é muito mais visível que em outros tempos”, diz a jornalista, batendo palmas para a atuação das mulheres que cobrem a Copa do Mundo para a TV Globo e outras emissoras.
Caminho desbravado: elas estão cada vez mais à vontade na área
Trabalhando na mesma empresa – Grupo RBA de Comunicação – Lourdes Cezar e Irene Almeida desempenham funções diferentes no jornalismo esportivo, mas ambas empenhadas em assegurar e ampliar o espaço da mulher no meio. Lourdes, que é repórter da RBATV, está, literalmente, em campo, há um bom par de anos. Irene, por sua vez, atua há quatro anos na reportagem fotográfica, um microcosmo da mídia esportiva, ainda mais limitado, por enquanto, à presença feminina. Uma restrição que tende a desaparecer em breve diante da grande invasão das mulheres no jornalismo dedicado ao esporte.
Irene conta que antes de se fixar no esporte teve passagens por outras editorias do DIÁRIO, entre elas as de Cidades, Polícia e Cultura, mas que se encontrou fazendo, inicialmente, a cobertura de treino dos principais clubes locais. “Passei a trabalhar em jogos depois da saída do Mário Quadros (ex-fotógrafo do jornal), que era efetivo na função”, explica. “Primeiro me revezava com os outros fotógrafos e acabei gostando. Conversei com a chefia da editoria para ficar permanente”, revela. “É uma atividade que eu gosto muito e me atrai bastante”, assegura.
A fotógrafa diz que percorreu um caminho difícil, mas que hoje se sente bem à vontade. “Acho que os editores sentem a confiança que tenho no meu trabalho e isso me deixa à vontade”, afirma.
Irene só lamenta o fato de as mulheres serem poucas em seu ramo de atuação. “Embora o número esteja em crescimento, as mulheres ainda são poucas na cobertura esportiva, sobretudo na área fotográfica”, questiona. “Acho que a minha presença e de algumas outras poucas fotógrafas pode, de repente, motivar novas jornalistas a encarar o mesmo desafio”, arremata.
Lourdes Cezar é hoje chefe do Departamento de Esportes, da RBATV, talvez algo inédito em se tratando de televisão nas regiões Norte e Nordeste e quiçá do Brasil. Com 21 anos de RBA, tendo tido, antes, passagens pela rádio Cultura do Pará e TV Nazaré, ela vê a mulher tendo “um maior destaque no jornalismo esportivo.” Lourdes ressalta a variedade de funções exercida pelo sexo feminino nas editorias de esportes de rádio e televisão e nas equipes de emissoras de rádio. “Temos mulheres atuando na apresentação, reportagem, comentários e até narrando futebol. É um espaço que se abre cada vez mais”, aponta a jornalista.