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Lula tenta driblar insubordinação de chefes militares

Lula tenta driblar insubordinação de chefes militares Lula tenta driblar insubordinação de chefes militares Lula tenta driblar insubordinação de chefes militares Lula tenta driblar insubordinação de chefes militares
A intenção foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e confirmada pela Folha de S.Paulo. Foto: Ricardo Stuckert
A intenção foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e confirmada pela Folha de S.Paulo. Foto: Ricardo Stuckert

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A decisão conjunta dos comandantes das Forças Armadas de deixar o cargo antes do fim do ano obrigou o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a acelerar a indicação de um novo ministro da Defesa para driblar uma crise militar logo no começo de seu governo.
Nas avaliação de dois ex-ministros da pasta, o anúncio extraoficial de que Marco Antônio Freire Gomes (Exército), Carlos de Almeida Baptista Junior (Força Aérea) e Almir Garnier (Marinha) vão deixar seus comandos na última quinzena de dezembro equivale a uma declaração de insubordinação.

A intenção foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e confirmada pela Folha de S.Paulo. A decisão foi combinada com Jair Bolsonaro (PL), durante um dos encontros dos comandantes com o presidente, que só deixou a depressão pós-derrota para ir a um evento militar no qual entrou mudo e saiu calado, no sábado (26).

Para os dois ocupantes da Defesa, de governos diferentes, os chefes militares sinalizaram para a tropa que não aceitam integralmente a autoridade de Lula. Por óbvio, isso não é um golpe, mas abre um precedente perigoso nos escalões inferiores.

Um oficial-general da cúpula militar relativiza a situação, dizendo que na verdade o gesto dos comandantes visou facilitar a transição: os novos chefes seriam indicados por Lula, ainda que a caneta de sua nomeação fosse a de Bolsonaro.

É a essa visão que o time petista se agarrou. Não bastassem as dificuldades no relacionamento com o mercado, agitado pelas declarações pouco responsáveis do ponto de vista fiscal de Lula e a pela perspectiva de ver Fernando Haddad (PT) liderando a economia, o eleito se viu obrigado a manobrar no espinhoso campo fardado.

A indicação do ex-deputado e ex-ministro do Tribunal de Contas da União José Múcio Monteiro para a Defesa é dada como certa nos meios militares. O político foi incluído no time de transição e participou de uma primeira reunião nesta segunda (28).
Múcio é visto como habilidoso por oficiais-generais, ainda que sem experiência nas especificidades da pasta. O mais importante, na visão desses fardados, é que ele não é um petista raiz como Jaques Wagner, ex-titular da Defesa que era o preferido no PT para o posto.

Se ele for mesmo anunciado na semana que vem, deverá escolher os novos comandantes e trazer para si a paternidade da indicação. Os favoritos, na linha de evitar marola política, são os mais antigos oficiais-generais de cada Força: Julio César de Arruda no Exército, Marcelo Kanitz Damasceno na FAB e Aguiar Freire, na Marinha.

Ainda que a saída Múcio evite um agravamento do mal-estar entre militares e Lula, ele permanecerá. Como escreveu em livro-depoimento o mais influente comandante militar desde a redemocratização, o ex-chefe do Exército Eduardo Villas Bôas, o PT virou o alvo preferencial de boa parte do estamento fardado.

Contribuíram para isso tanto as revelações de corrupção da Operação Lava Jato quanto a insatisfação institucional com o governo Dilma Rousseff (PT), que promoveu a Comissão da Verdade para apurar os crimes da ditadura de 1964 sem incluir o que os militares chamam de “outro lado” –as ações da luta armada contra o regime.

Houve também a cooptação promovida por Bolsonaro, visto como um militar medíocre e manipulável por importantes generais da reserva que aderiram à sua candidatura.
No poder, o segundo aspecto mostrou-se um erro de avaliação, compensado por uma série de benesses: a integração de oficiais-generais à administração, a implantação de um protelado plano de carreira e a criação de uma reforma previdenciária favorável. A militarização da Esplanada está com os dias contados.

Há também o fator político puro, encarnado nos protestos de bolsonaristas pedindo um golpe militar para evitar a posse de Lula na frente de quartéis pelo Brasil. Se reclamar da derrota é do jogo, incitar crime tipificado não é, mas ainda assim os três comandantes militares divulgaram uma nota conjunta no dia 11 defendendo o que seria o caráter pacífico dos atos e criticando indiretamente o Judiciário.

Além do antipetismo, outro traço que a cúpula fardada compartilha com o bolsonarismo é a desconfiança das altas cortes, vistas como ativistas, Tribunal Superior Eleitoral à frente. A nota foi criticada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o que ajudou a azedar o clima.

Ele nunca foi bom nos anos recentes: desde que Villas Bôas, pai da doutrina que normalizou a volta dos militares à política, ameaçou o Supremo na véspera da votação de um habeas corpus que poderia ter evitado os 580 dias de prisão de Lula, em 2018, não há interlocução decente entre o petista e os militares.

No ano passado, quando recuperou seus direitos políticos, Lula até enviou emissários para tentar estabelecer um diálogo por meio de generais da reserva. Deu com a cara na porta, até porque Bolsonaro proibiu qualquer conversa de setores da ativa com o petista.

A cúpula atual, herdeira da crise militar em que o presidente demitiu ministro da Defesa e os três comandantes em 2021, até sinalizou a normalidade institucional para Lula no começo deste ano: o chefe da FAB, em entrevista à Folha de S.Paulo, até reforçou a obviedade de que prestaria continência ao petista, se eleito.

Só que o acirramento dos ânimos, ampliado com o apoio da Defesa à campanha golpista contra as urnas eletrônicas de Bolsonaro, não abriu canais. Tanto é assim que não haverá grupo do setor de fato na transição de governo. Lula sacou dois ex-comandantes de sua gestão, Enzo Peri (Exército) e Juniti Saito (FAB), além do general Gonçalves Dias, que foi seu chefe de segurança no Planalto e segue na função fora dele, apenas para lustrar as conversas.