Diário no Qatar

Os bobos (Coluna Crônicas da Copa - 24/11)

Fiquei imaginando a cara de espanto e incredulidade de alguns treinadores ao verem a Espanha, com o jogo ganho, ir para cima da Costa Rica, não tirar o pé do acelerador nem mesmo nos acréscimos e promover um verdadeiro massacre. “Malucos, irresponsáveis”, disseram, com toda a certeza. No 2 a 0 já teriam mandado segurar a bola, tocar de lado e deixar o tempo passar. Parece ser uma ideia bem difundida no meio que buscar o gol a todo o instante é perigoso. É mais seguro para o emprego de todos ser pragmático.

É daí que surge aquela velha história de que hoje não tem mais bobo no futebol. Por causa de um falso equilíbrio de forças, seja por meio de um nivelamento pela mediocridade ou da acomodação que times superiores têm quando jogam contra adversários mais fracos. Até um discurso hipócrita de respeito ou fair play entra nessa equação – uma arrogância mal disfarçada. Ou seja, ainda tem muito bobo no futebol, sim. E de todos os tipos.

Para começar, o tipo mais básico, o bobo raiz, ingênuo, como os costa-riquenhos, coitados. Não viram a cor da bola, um esboço de reação sequer. Não lembro de ter visto um jogo de Copa tão desigual (acho que o último foi, hum, Brasil e Alemanha, mas vamos esquecer essa parte): 82% de posse de bola para os espanhóis, 17 chutes a zero, 1043 passes contra 231. Foi histórico. Uma pena para quem ainda guarda com carinho na memória a Costa Rica da Copa de 2014, quando avançou em primeiro lugar de um grupo com os gigantes como Itália, Inglaterra e Uruguai.

Esses gigantes foram, naquele ano, o que a Alemanha foi ontem, e a Argentina, na terça, contra a Arábia Saudita, também: bobinhos. O segundo tipo de bobo – o bobo de salto alto. Seleções (ou times) mais fortes, que têm ciência da sua qualidade e menosprezam o outro lado ou acham que podem matar o jogo na hora que quiserem. Se você é bom, mostre que é bom. Jogue como o time grande que é, não espere pelo erro do adversário, force esse erro, imponha o seu ritmo, quem manda é você e ponto final. Dane-se o fair play. Respeitar o jogo é fazer a sua parte. Se o objetivo do futebol é bola na rede, vá atrás disso e seja feliz.

Por fim, o último tipo de bobo é o mais perigoso deles, pois está fora de campo. É o bobo da corte, que faz de tudo para agradar aos poderosos, aos endinheirados. E Gianni Infantino tem se mostrado um grande exemplo. O presidente da Fifa, que deveria zelar pelo interesse de seus filiados e protegê-los, ameaçou usar de punições esportivas caso usassem a braçadeira de capitão em apoio à causa LGBTQIA+. Pois se dentro de campo a Alemanha foi boba, fora dele se mostrou uma potência, protestou contra o desmando da entidade e publicou nota dizendo que direitos humanos são inegociáveis. Um exemplo de como quem representa o seu país deve se comportar.

Que o Brasil aprenda essa lição e não seja bobo em campo ou fora dele.

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A coluna Crônicas da Copa é assinada pelo jornalista Carlos Eduardo Vilaça, editor do Bola.