Diário no Qatar

A história, a memória e o tempo (Coluna do Tostão - 23/11)

A Argentina decepcionou com a péssima atuação na derrota por 2 a 1 contra a surpreendente Arábia Saudita, que, em vez de marcar com muitos jogadores perto da própria área, como fazem quase todos os times que enfrentam adversários superiores, colocou os zagueiros perto do meio-campo, deixando pouquíssima distância entre eles e o ataque. Nesse curto e estreito espaço e com a pressão para recuperar a bola, os árabes não deixaram a Argentina trocar passes e ficar com a bola.

A Argentina não soube também aproveitar os espaços nas costas dos defensores, pelos erros individuais e por entrarem muito em impedimento. Assim, três gols foram anulados corretamente pela arbitragem.

A França, mesmo com as perdas de Benzema, Kanté, Pogba, Kimpembe e outros, continua forte, graças ao ótimo elenco, em razão do centro de formação de jogadores que possui e da enorme imigração africana. A formação tática na goleada por 4 a 1 sobre a Austrália é a mesma do Brasil, com quatro defensores, dois volantes, dois pontas abertos, rápidos e dribladores e mais um meia próximo ao centroavante.

Segundo os noticiários, sem a confirmação de Tite, contra a Sérvia o Brasil deve jogar com Paquetá no lugar de Fred. Outra opção é a entrada de Paquetá no lugar de Vinícius Júnior, como um meia armador do lado para o centro. Uma terceira opção, que parece ter sido abandonada pelo técnico e que eu gosto, seria a saída de Richarlison e a formação de uma dupla de ataque com Paquetá e Neymar, que se entendem muito bem. Essa formação manteria os dois pontas, principal razão do crescimento da seleção no último ano.

As três alternativas são boas. Pior é não ter dúvidas. Só os ignorantes e os medíocres têm certeza de tudo.

Tite deveria conversar com Casemiro e com Neymar para evitar cartões amarelos, o que poderia deixá-los fora em um jogo decisivo, como aconteceu em 2018, quando Casemiro ficou ausente da partida contra a Bélgica, por estar suspenso. Neymar tem recebido muitos cartões amarelos no Paris Saint-Germain, por reclamar demais das faltas que recebe. Casemiro desarma na bola, mas possui tanto vigor que costuma derrubar o adversário.

O Brasil está muito bem preparado nas partes técnica, tática e física. Espero que esteja também emocionalmente. A tensão, presente em jogos importantes, desde que não seja excessiva, é benéfica por estimular a produção de substâncias químicas que melhoram a concentração e aumentam a força física e a vibração. Cada um tem seu jeito de lidar com a ansiedade. Eu, quando estava mais tenso, jogava melhor.

É o doping psicológico.

Como fui médico, atleta e fiz cursos completos de medicina psicossomática e de psicanálise, gostaria de que a comissão técnica tivesse um psicólogo.

Na Copa de 1970, na véspera das partidas, alguns jogadores se reuniam, sem a presença da comissão técnica, para conversar sobre variados assuntos. Um iniciava com uma pequena preleção e, depois, todos discutiam. Parecia uma terapia em grupo. Não era obrigatório, e os participantes nem sempre eram os mesmos.

Na véspera da final, pedimos ao Dr. Roberto Abdalla Moura, que havia me operado do olho e que era convidado da CBD, para fazer a preleção inicial. Após a conquista, dei a ele minha medalha de ouro. Tenho saudade do médico e do amigo, que, recentemente, faleceu.

A memória é o elo entre o passado e o presente. A história do futebol não termina nesta Copa. Os sonhos antecedem e podem mudar o destino e a história.

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Tostão é cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.