Quem esperava por um jogo tipo Íbis x Bangu viu uma festa original para quem nunca havia presenciado futebol no chamado mundo árabe. Original também porque fria, mas muito bem organizada, melhor que em 2010 e em 2014.
Os equatorianos, cerca de mil, com o tradicional “Esta noche tenemos que ganar” abafaram os quase 60 mil qataris, se é que eram mesmo qataris.
O VAR deu o ar de sua desgraça logo de cara, mas nem por isso os sul-americanos deixaram de comandar o jogo quase como mera formalidade, tamanha a diferença técnica.
E, não por acaso, logo aos 16 minutos, o número 13, Enner Valencia, abriu a caminhada vitoriosa em pênalti que VAR algum poderia contestar. O 13 brilhou de novo aos 31, 13 ao contrário.
O segundo tempo foi apenas protocolar, sem nada que pudesse mudar o resultado da estreia.
Limites da grana
Certamente esta é a Copa mais perdulária da história.
A começar pelo gigantesco centro de mídia em Doha, impressionante não apenas pelas dimensões como pelos lustres no teto.
E a seguir pelos não menos luxuosos estádios, de concepções ultramodernas, arrojadas e fadadas a se transformar em elefantes dourados, a menos que os trilionários xeques resolvam montar pelo menos cinco bons times para ocupá-los. São nada menos que oito, sete deles construídos para o torneio.
Embora não sejam propriamente novos-ricos, o esbanjamento é típico dos que são, a tal ponto que não dá para fingir naturalidade diante de tamanha ostentação. É realmente, ou principescamente, impressionante.
Dizem que dinheiro não compra felicidade e, embora haja controvérsias, fato é que não comprou ao menos a sorte de ter alguns dos principais jogadores na Copa. A começar pelo último baque de perder o francês Karim Benzema, o número 1 do mundo.
Já havia perdido o senegalês Sadio Mané, responsável pela eliminação de outro gênio, o egípcio Mohamed Salah.
Dois outros franceses, meio-campistas fundamentais, Paul Pogba e N’Golo Kanté, também já se sabia ausentes, assim como o meia argentino Giovani Lo Celso –talvez o melhor conterrâneo que Lionel Messi tenha encontrado para lhe fazer companhia, e já no ocaso da brilhante carreira, em toda sua trajetória na seleção.
É como se na Copa de 1970 o Rei Pelé ficasse de fora, na de 2002 não tivesse Zinedine Zidane ou faltasse Messi em 2014.
Perdas irreparáveis e que dinheiro algum no planeta bola é capaz de comprar, porque mais alto que o seu poder é o de um músculo esgotado ou de um osso lesionado.
Assim a Copa perdeu estrelas luxuosas e será menos rica tecnicamente do que todos esperávamos por ser em meio à temporada europeia.
Ironias deste esporte das massas, talvez em resposta aos novos donos da bola que tudo fazem para excluir os excluídos dos estádios.
De exclusão em exclusão, ficaram de fora, também, Benzema, Mané, Salah, Pogba, Kanté, Lo Celso e”¦Haaland, o fabuloso goleador norueguês que deu o azar (?) de ter nascido na Noruega, fraca em futebol, embora jamais tenha perdido da seleção brasileira em quatro jogos –um deles pela Copa de 1998, na França, quando venceram por 2 a 1, somando duas vitórias e dois empates.
Aliás, o sempre criativo José Trajano tem uma boa ideia para aproveitar astros de jogadores de seleções eliminadas: montar esquema de escolhas em que as equipes mais fracas poderiam ter um desses jogadores; Haaland, por exemplo, defenderia o Qatar.
Já que é tudo pelo show, danem-se as nacionalidades.
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Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP