Se a Copa do Brasil teve discurso vaiado de Dilma Rousseff, os pronunciamentos do bélico presidente russo, Vladimir Putin, em 2018, e do emir ditador do Qatar, Al Thani, foram aplaudidos
Com bastante condescendência, seria razoável dizer que a Fifa só poderia ter feito uma coisa a respeito do desrespeito aos direitos humanos no Qatar: não ter trazido a Copa para cá. Então, resta à federação internacional fazer a sua parte. Não fez na partida de abertura, em que a primeira revisão pelo vídeo demorou dois minutos.
Serviu para anular uma posição de impedimento real, do atacante equatoriano Michael Estrada. Só que o compromisso da Fifa com o anúncio do impedimento semiautomático era dar rapidez às decisões. A primeira falhou.
Em compensação, o telão do estádio Al Bayt mostrou a revisão precisa do segundo gol de Enner Valencia, em que o atacante dá um leve passo atrás para sair da posição fora de jogo e cabeceia em condição legal.
Também foi sacada a decisão de mostrar, na tela, a posse de bola dividida em três. Aos 33 do primeiro tempo, os espectadores presentes ao Al Bayt puderam ver que o Equador tinha 56% de posse de bola, o Qatar 30%, e o restante ficou em disputa.
Há 12 anos, duas jogadas de Copa do Mundo levaram à decisão do International Board de adotar o árbitro de vídeo: o gol anulado de Lampard para a Inglaterra contra a Alemanha e o validado do argentino Tévez contra o México.
As duas jogadas polêmicas da Copa da África do Sul aconteceram no mesmo dia 27 de junho de 2010. Envolveram a bola que ultrapassou a linha alemã e o árbitro uruguaio Jorge Larrionda não viu e um impedimento de Tévez, dois metros à frente, a que o juiz italiano Roberto Rossetti assistiu pelo telão –e que não deveria ter sido mostrado. Mesmo percebendo seu próprio erro, Rossetti não tinha o direito de mudar de opinião por um elemento externo à partida.
A abertura do Mundial do Qatar mostra o futebol mais integrado à tecnologia, sem ser infalível.
Não falhou a seleção equatoriana, pela primeira vez dirigida em Mundiais por um treinador argentino, nacionalidade que levou a LDU ao título da Libertadores de 2008 –Edgardo Bauza era o técnico– e o Barcelona aos vices de 1990 e 1998 –Rubén Insúa e Miguel Brindisi.
Gustavo Alfaro ganhou a Copa Sul-Americana pelo Arsenal de Sarandí, da Argentina, em 2007. Ele mexeu na formação equatoriana escalando quatro atacantes de origem, num sistema 4-4-2. Plata era o canhoto aberto pela direita, Romario Ibarra o ponta esquerda de pé destro. O ponto forte foi o atacante Enner Valencia, o único dos 22 titulares da inauguração da Copa com experiência anterior, porque fez três gols em três partidas no Brasil, há oito anos.
Auxiliado pela péssima atuação do goleiro qatari, Al Sheeb, Enner tornou-se o terceiro artilheiro com mais de um gol em três aberturas seguidas. Neymar tinha feito em 2014 e Cheryshev em 2018.
Tudo isso indica que deu para falar de futebol, ao final da primeira semana de cobertura de um Mundial cheio de questões políticas e humanitárias para serem tratadas. Que também termina com uma dura constatação.
Se a inauguração da Copa do Mundo do Brasil teve discurso vaiado, da então presidente Dilma Rousseff, os pronunciamentos do bélico presidente russo, Vladimir Putin, em 2018, e do emir ditador do Qatar, Al Thani, foram aplaudidos.
Alguma coisa está muito fora da ordem mundial, cantaria Caetano Veloso se estivesse no estádio Al Bayt, no norte do Qatar.
Paulo Vinicius Coelho – Jornalista, autor de ‘Escola Brasileira de Futebol’, cobriu seis Copas e oito finais de Champions