A tímida evolução tática do Brasileiro
Ao desejar boa sorte a Scarpa (foto), em sua entrevista coletiva depois de receber o troféu contra o América, o técnico Abel Ferreira expôs sem querer o atraso tático do Campeonato Brasileiro, em comparação com a Europa: “Disse a ele que vai ter de marcar mais e tocar menos vezes na bola.”
Mesmo sabendo que também se toca menos na bola na Espanha do que na Inglaterra, é assustador saber que o discurso de Abel é de verdade mesmo com Scarpa trocando o campeão brasileiro pelo antepenúltimo colocado da Inglaterra –era o lanterna, no dia da entrevista.
Só não é uma tragédia, porque o Brasileiro concluído no domingo (13) teve sinais auspiciosos, dos pontos de vista técnico, tático e de organização. Fecha com 20.700 pagantes por jogo, terceira maior média de público pagante dos últimos quarenta anos, 21 mil de espectadores presentes, segundo melhor índice.
Se os jogos fossem ruins, não teria tanta gente nas arquibancadas. Mas isto representa, no máximo, o que a Inglaterra tinha lá por 1996, quando entregava de bandeja os direitos internacionais de transmissão, como o Brasil faz atualmente.
As presenças de Abel Ferreira, Vítor Pereira e Luís Castro ampliam o repertório tático, misturam os conhecimentos prático e teórico. Pereira não interferiu tanto no Corinthians quanto poderia porque pegou o elenco pronto –e envelhecido. Sempre deixou clara a intenção de marcar por pressão. Não conseguiu pelo excesso de jogos e de idade de sua equipe.
Fernando Diniz transformou o Fluminense num time exclusivo no mundo, com a aglomeração de meias, pontas e laterais de um lado do campo, para produzir desafios de três ou quatro tricolores, contra dois ou três adversários, sempre com mais gente do time de Diniz que dos rivais.
Fernando Diniz precisa escrever sobre o que faz e como treina e será literatura indispensável para técnicos tanto aqui, quanto na Europa. Há avanços no jeito de jogar expostos timidamente no Campeonato Brasileiro, alguns trazidos pelos técnicos estrangeiros, outros por nossos próprios profissionais.
O Flamengo não está dentro disso, porque Dorival Júnior tem uma equipe com espaços vazios permitidos aos rivais, parecido com o que acontecia quando Renato Gaúcho era elogiado, às vésperas da final da Libertadores 2021.
A diferença é o resultadismo. Renato foi demitido, Dorival cogitado para a seleção depois de um perder e outro vencer a Libertadores.
Luís Castro tem o tom exato para se entender o Brasil. Diz que analisamos o jogo a partir da qualidade dos jogadores, como se fosse um esporte individual, só que praticado por onze contra onze.
Este é um dos aspectos que precisam mudar nos próximos anos, o entendimento coletivo. Não se trata de formar jogadores de bola, mas profissionais de um esporte onde há cada vez menos espaço e, por isso, deve ser jogado com ensaio e estratégias de ataque e de defesa.
O outro é político. Não vai haver qualidade enquanto conselheiros influenciarem presidentes fracos a trocarem técnicos a cada cinco jogos. Foram 23 trocas em 38 rodadas. Na Inglaterra, nove. Menos sequência de treinos, mais dependência do jogo individual.
Craque do Brasileiro, Scarpa terá de marcar mais e tocar menos na bola para se dar bem na Inglaterra.
O reflexo
A primeira Copa do Mundo com brasileiros convocados de clubes do exterior foi a de 1982: Falcão e Dirceu. Hoje, são 23 de 26, um recorde. Não dá para pôr a culpa no técnico da seleção. O Brasil deixou de ser um polo cultural do futebol. Precisa voltar a ser.
A mudança
A liga brasileira tem de nascer em 2025, promessa de quem dirige o futebol do Brasil. E tem de ser o primeiro passo, ganhando ou perdendo a Copa. Ou começa já ou o Brasil passará mais décadas na rabeira da sabedoria, e futebol hoje vive do conhecimento.