Estudo mostra impacto da liberação de mineração na Amazônia

Estudo mostra impacto da liberação de mineração na Amazônia

Um modelo desenvolvido por pesquisadores
brasileiros mostrou que a abertura de áreas protegidas na Amazônia para
projetos de mineração levaria à devastação de 183 quilômetros quadrados (km²)
de floresta resultante diretamente das novas minas e à perda de mais 7.626 km²
derivada dos impactos diretos e indiretos para a construção de infraestrutura. Os
cientistas mapearam 242 depósitos minerais na Reserva Nacional de Cobre e
Associados (Renca). O desmatamento representaria 16,6% dos 47 mil km² da área
total da Renca, localizada entre os Estados do Amapá e Pará.

Esse cenário exigiria 1.463 km de novas estradas que
facilitassem o acesso à região, causando desmatamento indireto (estimado em 40
vezes maior que a devastação direta da mineração) e fragmentação da paisagem,
com uma importante perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da
floresta.

O resultado do estudo foi publicado na revista científica
Nature Sustainability em meio a discussões de projetos de lei no Congresso
Nacional que preveem a autorização de mineração em áreas protegidas, incluindo
Terras Indígenas (TIs). Além disso, o desmatamento na Amazônia vem registrando
altas taxas, tendo ficado em 8.590,33 km², entre agosto de 2021 e julho de
2022, a terceira maior desde 2015, de acordos com dados do Deter, ferramenta do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O trabalho modelou cinco cenários de expansão da mineração
por 30 anos na Renca. Atualmente, nove Unidades de Conservação cobrem 90% da
área da reserva, sendo duas TIs, três áreas de proteção integral e quatro de
uso sustentável. A mineração não é permitida legalmente dentro desse território
e das áreas protegidas que estão na Renca.

Em 2017, o então presidente Michel Temer tentou acabar com a
proteção da reserva com o argumento de exploração comercial, mas voltou atrás
após pressão de organizações não governamentais (ONGs) e sociedade civil.

“Uma das inovações da pesquisa foi a modelagem de impactos
futuros de possíveis áreas novas para a mineração e da infraestrutura
necessária para chegar até elas, como a construção de estradas. Acreditamos que
as discussões e propostas de reduzir áreas protegidas devem considerar o
impacto na floresta, em sua biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos. Por
isso, a necessidade de ter um planejamento estratégico para esses casos”, disse
à Agência FAPESP a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay.

Ela é a primeira autora do artigo, que é parte de sua tese
de doutorado defendida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(Poli-USP). Por seu trabalho, foi escolhida pela Associação Internacional de
Avaliação de Impacto (IAIA, na sigla em inglês) para receber o Prêmio IAIA
Juventude de 2022, voltado para o reconhecimento de conquistas na área da
avaliação de impacto ambiental por membros da associação com menos de 35 anos.
Recentemente, a pesquisadora recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Tese,
instituição que financiou sua bolsa de estudos.

Para o professor da USP Luis Enrique Sánchez, orientador de
Siqueira-Gay e coautor do artigo, o trabalho pode contribuir na tomada de
decisões.

“A pesquisa mostra que antes de mudar regras para reduzir
áreas de conservação, ou abrir Terras Indígenas para produção mineral ou ainda
suspender o decreto da Renca é preciso avaliar os impactos por meio de estudos
ambientais com caráter estratégico, e não caso a caso. Essas decisões podem ter
implicações em escala regional. Mostramos que avaliações de impacto de
políticas governamentais precisam ser feitas”, completa Sánchez, que recebe
apoio da FAPESP.

O professor cita um outro estudo, publicado na revista One
Earth, em 2020, pelo grupo e com a participação de pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tratando especificamente de Terras
Indígenas. À época, eles calcularam que a mineração nessas áreas poderia
aumentar em 20% o impacto sobre a floresta e gerar perdas de até US$ 5 bilhões
em serviços ecossistêmicos, como regulação de chuvas e produção de alimentos.

Cenários

O grupo desenvolveu modelos espaciais de mudança de uso da
terra para simular a expansão das minas e da infraestrutura associada para
acessá-las, incluindo a área da Renca e arredores, em um total de cerca de 250
mil km² (o que corresponde a 5% do território da Amazônia Legal).

Foram montados cinco cenários relevantes para a política de
permissão de mineração e aumento de outras atividades humanas na Renca. Em um
deles, o decreto da reserva permanece ativo e nenhuma área de preservação muda.
Nos outros quatro, o decreto é suspenso, mas são colocados pontos para cada um:
1) muda a legislação sobre Terras Indígenas, permitindo mineração e construção
de estradas de acesso; 2) modifica o plano de gestão das áreas de uso
sustentável para permitir a atividade; 3) permite mineração em TIs e áreas de
uso sustentável; e 4) suspende exigências em todas as Unidades de Conservação da
Renca.

Em nenhuma das modelagens houve um resultado desejável de
conservação, sendo que todas em alguma medida apresentaram aumento do
desmatamento, perda de áreas altamente biodiversas e crescimento da
fragmentação da paisagem. Em alguns casos uma rede rodoviária longa e cara
seria necessária, criando uma pressão adicional para abrir ainda mais as áreas
de proteção e gerando mais fragmentação florestal.

Os pesquisadores não tratam especificamente de minas de
ouro, mas citam que a região é conhecida por abrigar diversas jazidas, já
ocupadas por garimpo ilegal. “Dado o crescimento atual dessas atividades
ilegais na Amazônia devido ao preço do ouro e apoio político, abrir a região
para exploração, mineração e infraestrutura induziria uma maior ocupação
informal em busca de jazidas de ouro”, escrevem os pesquisadores.

Segundo Sánchez, no contexto atual da floresta amazônica, em
que há baixa governança, as pressões sobre a área aumentam. “As vias de acesso,
como estradas, são portas de entrada e facilitam outras atividades, sejam
legais ou ilegais. Quando há baixa governança, o impacto da mineração se
multiplica”, afirma o professor.

Relatório divulgado no ano passado pelo MapBiomas, uma rede
colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia que
mapeia cobertura e uso do solo no Brasil, calculou que a área minerada no país
cresceu seis vezes entre 1985 e 2020. O dado, que resultou da análise de
imagens de satélite com o auxílio de inteligência artificial, aponta salto de
310 km² para 2.060 km² no período, sendo parte dessa expansão na Amazônia (em
2020, três a cada quatro hectares minerados estavam na região, sendo a maior
parte relativo a garimpos).

“Nas modelagens, usamos depósitos minerais sem dividir por
tipos de minério, então não tratamos de forma diferenciada uma possível
mineração de ouro, por exemplo. Sabemos que já há muitas jazidas na região e
não dá para negligenciar que a construção de novas estradas facilitaria ainda
mais o acesso”, explica Siqueira-Gay, que atualmente trabalha com o tema da
mineração e desmatamento no Instituto Escolhas, uma associação sem fins
econômicos que produz estudos e análises sobre sustentabilidade.

A pesquisadora cita também a transição energética, que deve
nos próximos anos pressionar uma mudança no perfil da demanda por minérios de
transição para abastecer indústrias, como a solar, a eólica e a de carros
elétricos. “A importância da proteção da paisagem é um tema que continuará
sendo discutido. Essa abertura de novas áreas dialoga com o trabalho que
fizemos.”

O artigo Strategic planning to mitigate mining impacts on
protected areas in the Brazilian Amazon, dos pesquisadores Juliana
Siqueira-Gay, Jean Paul Metzger, Luis Enrique Sánchez e Laura Sonter, pode ser
lido em: www.nature.com/articles/s41893-022-00921-9#Ack1.