Uma pesquisa conduzida pelo Idor (Instituto DOr de Pesquisa e Ensino) mostrou que alterações moleculares podem ter causado sintomas neurológicos em pacientes acometidos pela Covid.
O estudo analisou dados de 35 pacientes positivos para a Covid, de 26 a 87 anos de idade, internados em 11 hospitais da Rede D’Or São Luiz, no Rio de Janeiro, de abril a novembro de 2020, com quadros que variavam de moderados a graves.
Os pacientes com doença leve eram mais jovens, tinham menos comorbidades, incluindo doenças cardiovasculares e diabetes, e tiveram menor hospitalização. Apenas uma pessoa não precisou de internação em UTI. Os homens apresentaram um risco 5,5 vezes maior de doença grave.
O estudo foi publicado na revista Brain, Behavior, & Immunity – Health.
Os pesquisadores coletaram as informações de prontuários médicos. Os dados incluíam exames de imagem, como ressonância magnética e tomografia, de sangue e análise do LCR (líquido cefalorraquidiano. Dez amostras de LCR de pacientes não infectados serviram como grupo controle.
O LCR é um fluído incolor que envolve o cérebro e a medula espinhal. Fornece informações para detectar diferentes patologias no sistema nervoso central.
Segundo a radiologista e neurocientista Fernanda Tovar-Moll, presidente do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino, e coordenadora do estudo, as manifestações neurológicas apareceram no início da Covid 85,7% dos pacientes apresentaram sintomas neurológicos assim que deram entrada no hospital. “Interessante que grande parte dos investigados não tinha acometimento pulmonar importante na admissão”, diz.
Todos os pacientes realizaram pelo menos uma ressonância magnética e/ou tomografia. Os exames de imagem mostraram que 28,6% tinham alterações focais ou difusas no cérebro, associadas à Covid, incluindo lesões desmielinizantes, encefalite (inflamação do cérebro) e AVC (acidente vascular cerebral); 34,3% apresentavam apenas sinais de hipertensão intracraniana.
Já os de sangue indicaram que 66% deles tinham sinais de uma resposta inflamatória grave. Análises proteômicas do LCR mostraram uma alteração no padrão de proteínas comparado aos controles, com 116 proteínas significativamente desreguladas, relacionadas ao sistema imunológico e processos metabólicos.
“São apresentações múltiplas que podem ser por efeito de AVC, encefalite, uma cefaleia muito grave. Vários outros estudos também mostram que numa fase aguda há manifestações do efeito do vírus direta e indiretamente no sistema nervoso central. Esse estudo faz parte de uma grande linha de investigação do acometimento da Covid no sistema nervoso central”, explica Tovar-Moll.
De acordo com a pesquisadora, pacientes com manifestações neurológicas importantes e Covid, na admissão, apresentavam características inflamatórias com a elevação de alguns biomarcadores, como, por exemplo, as citocinas IL-6 e TNFα, associadas à gravidade da doença principalmente a IL-6 e às alterações observadas nos exames de imagem. Esses biomarcadores estavam circulando no sangue e no líquor dos pacientes.
“A Interleucina 6 e o TNF-Alfa também são fatores que estão elevados em patologias neurodegenerativas. Então, fazem aquele link entre inflamação e neurodegeneração. O que a gente entende é que essa inflamação seja importante na fase adulta e seja um fator deflagrador, digamos assim, que pode gerar alterações cognitivas também de longo prazo.”
“Hoje, sabemos cada vez mais que a inflamação pode ser um gatilho para desencadear diversos fenômenos no cérebro, incluindo os neurodegenerativos”, afirma Tovar-Moll.
A primeira autora do estudo, Fernanda Aragão, afirma que a pesquisa é uma das primeiras a conectar exames de imagem e sintomas neurológicos com biomarcadores neuroinflamatórios capazes de refletir a gravidade da doença aguda.
Segundo Aragão, a neuroinflamação é um ponto comum em casos neurológicos da doença, mesmo em pacientes com quadros diversos, moderados ou graves. A identificação desses marcadores inflamatórios que conectam a gravidade da Covid e alterações de neuroimagem pode contribuir para o desenvolvimento de terapias, visando tanto o tratamento tanto durante a infecção aguda da Covid, bem como para os pacientes com os efeitos persistentes da Covid longa.
O estudo terá continuação. “Esse é um artigo que faz parte de uma coletânea. Vimos a necessidade de continuar tentando entender até quando isso vai, se é reversível ou não, se conseguimos explicar quais são os pacientes que são mais propensos a continuar a ter sintomas ou não”, diz a neurocientista Fernanda Tovar-Moll.
“Outra coisa que chamou a atenção é que a gente imagina que o paciente com manifestação neurológica foi internado porque tinha uma manifestação grave ou moderada. Mas quando vimos que pacientes que não tinham manifestações neurológicas também desenvolvem alterações a longo prazo, também nos fez chamar a atenção de que talvez pacientes com uma Covid leve possam ter alterações neurológicas a longo prazo. Então submetemos a um outro projeto, que já está em andamento, para avaliação longitudinal de pacientes que não estavam internados”, finaliza a coordenadora do estudo.
*PATRÍCIA PASQUINI – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)