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Fazenda define regras para conter vício em bets

 
FOTO: RICARDO AMANAJÁS
FOTO: RICARDO AMANAJÁS

Pedro S. Teixeira/Folhapress

 

A Fazenda definiu nesta quinta-feira (1º) as regras de “jogo responsável” para o mercado de apostas, com objetivo de mitigar vício e endividamento excessivo. A pasta definiu em outras duas portarias como será a fiscalização e as penalidades em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões.

As regras de jogo responsável tratam de dependência associada a jogos, violações do direito do consumidor, propaganda enganosa ou para menores de idade, recompensas para atrair clientes e marketing de afiliados -ramo da publicidade que, hoje, concentra o maior número de queixas no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e inunda as redes sociais com anúncios sobre apostas.

As regras dizem respeito a apostas online, englobando modalidades como o “jogo do tigrinho” e outros caça-níqueis virtuais, jogos de cartas, apostas esportivas, roleta e formatos semelhantes.

O site de apostas terá o dever de impedir o cadastro ou limitar o acesso a pessoas com diagnóstico comprovado por laudo médico de ludopatia (vício em jogos) ou que estejam impedidas de apostar por decisão administrativa ou judicial, em caso de notificação.

As bets receberão denúncias de dependência e “jogo patológico” por meio de uma ouvidoria que deverão manter para atender e orientar apostadores e familiares. Além disso, precisarão usar dados da navegação do usuário para identificar indícios de vício.

Cada pessoa poderá ter apenas um cadastro em cada site de apostas, para dificultar que alguém que esteja impedido drible o veto.

Bets deverão, ainda, emitir sinais de alerta para informar o jogador sobre os riscos de dependência, com critérios de periodicidade predeterminados na política da própria empresa. Essa política deverá ser aprovada por um certificador externo e estará sob fiscalização da SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas).

Para o pesquisador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) Rodrigo Machado, que é especialistas em compulsões tecnológicas, os mecanismos de bloqueio para quem já está adoecido não bastam. “Hoje, a gente nem sequer sabe quantas pessoas dependentes existem no Brasil, não há dados públicos para traçar uma política de prevenção.”

O país, segundo Machado, vem de uma tradição de veto aos jogos de azar, e, por isso, nunca se preparou para enfrentar uma crise de saúde pública na área. “É uma situação complexa: as evidências científicas mostram que a liberação aumenta o adoecimento, mas, depois que está liberado, temos que trabalhar para minorar os riscos.”

“É de primeira ordem direcionar parte do dinheiro arrecadado para a formação de profissionais que possam atender essa população e, hoje, não há sequer mão de obra para isso”, diz o especialista.

O serviço do HC para pessoas com compulsão por jogos é um dos únicos centros especializados no Brasil e deveria receber somente pessoas em situações gravíssimas, por ser um ponto de atendimento terciário.

As medidas anunciadas na quarta ainda incluem a realização de campanhas educativas, adoção de limite de apostas de acordo com critérios de tempo, valor gasto ou quantidade de apostas e adoção de períodos de pausa.

A portaria proíbe publicidade que possa sugerir ganho fácil ou associe a ideia de sucesso às apostas, como afirmações de celebridades dizendo que o jogo contribuiu para a melhoria de suas condições financeiras. Regulamenta ainda os direitos e deveres de apostadores e das empresas responsáveis pelos jogos.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, Andre Guelfi, foi uma boa surpresa a pontualidade da Fazenda no cumprimento da agenda regulatória, que definia a publicação de todas as portarias até julho. “Assim, estaremos prontos para começar o mercado regulado no próximo mês de janeiro.”

A saída do antigo secretário de Prêmios e Apostas José Francisco Mansur da pasta em fevereiro preocupou o setor. Como adiantou a coluna Mônica Bergamo, Mansur se tornou sócio em junho do escritório CSMV, que atende mais de 20 clubes de futebol, após a Comissão de Ética Pública da Presidência dispensar o advogado de cumprir quarentena.

O presidente do Instituto Jogo Legal, Magno José, avalia que as medidas da Fazenda darão fim, a partir de 2025, a um “mercado selvagem”. “Sem regulamentação, as bets destinaram o dinheiro que seria arrecadado pelo governo e destinaram à publicidade sem controle”. Para ele, o arcabouço regulatório elaborado pela Fazenda em seis meses protege o apostador.

PENALIDADES E FISCALIZAÇÃO

As casas de apostas terão responsabilidade jurídica pelo cumprimento das regras e estarão sob fiscalização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Responderão legalmente também pela mensagem de seus afiliados -espécie de revendedores terceirizados da marca. No caso da publicidade, influenciadores que divulgarem as casas de apostas compartilharão da responsabilidade.

A SPA vai manter um canal para recebimento de denúncias sobre campanhas publicitárias que violem as regras de “jogo responsável”, notificará as marcas, que deverão retirar o conteúdo do ar.

A portaria de “regime sancionador” das apostas de quota fixa determina multas de R$ 50 a R$ 2 bilhões, sempre superiores a vantagem auferida pelo infrator.

O modelo de autuação por processo administrativo vai seguir o padrão de outros órgãos reguladores: notificação, resposta, decisão, recurso e decisão final. As multas serão encaminhadas ao Tesouro Nacional.

A SPA, eleita em portaria como ente regulador do mercado de apostas de quota fixa, terá ainda o poder de cassar ou suspender a licença dos sites de apostas.