Foi ainda na infância, quando fazia companhia ao pai em meio às verduras que cresciam na horta, que a produtora Maria Geanira Pereira, hoje com 40 anos, teve o seu primeiro contato com o que, no futuro, viria a ser a sua fonte de renda. Nascida em uma família de agricultores, ela viu no trabalho no campo a oportunidade de colocar comida não apenas na mesa de sua família, como de tantas outras famílias brasileiras. Celebrada em todo o mundo neste mês de julho, a agricultura familiar é responsável por 23% do valor bruto da produção agropecuária brasileira, de acordo com o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023.
A produtora lembra que começou a trabalhar efetivamente com a agricultura familiar aos 17 anos, ajudando o pai que produzia farinha. Depois que ela se casou e constituiu sua própria família, veio a ideia de diversificar a produção para garantir uma renda mais constante.
Em 2004 a família começou a trabalhar com verduras e hortaliças e, em 2007, decidiram fazer a transição para uma produção 100% orgânica. “Quando a gente morava com o meu pai, a gente produzia farinha. Depois que eu arranjei família, a gente trabalhou com a mandioca também, mas depois a gente achou que demorava muito para ter a renda porque era um ano que demorava para a roça ficar boa para a gente colher e fazer a farinha”, recorda. “Então, a gente começou a plantar outras opções. Com a horta, se toda semana você produzir, toda semana você tem o recurso. Foi quando a gente começou a plantar cheiro, couve, salsa, chicória, alfavaca, hortelã,
Para que consiga comercializar toda essa variedade que sua família produz no município de Santo Antônio do Tauá, todas as quartas-feiras e sábados Maria Geanira sai de casa ainda às 2h30 para se deslocar até a capital paraense, Belém. Isso porque, às 5h, ela já precisa estar organizando as verduras na venda instalada na Praça Brasil ou na Praça Batista Campos. Apenas uma parte do trabalho que envolve toda a família.
“É de onde a gente tira o nosso sustento e ainda dá para contribuir com outras famílias porque, às vezes, a gente chama outra pessoa para fazer uma diária. São cinco pessoas da minha família trabalhando na horta e a gente ainda paga um diarista”, conta. “Hoje as pessoas já sabem que é de um pequeno produtor que vem esse alimento que vai para a mesa. Antes o produtor não chegava até uma feira para vender o seu produto. Era sempre com um atravessador, então, o cliente nunca conhecia o produtor. Hoje, não”.
No caso do Jonildo Pereira, 43 anos, quem iniciou esse trabalho familiar foi ele próprio. O produtor conta que a sua família não trabalhava com agricultura, mas quando ele também quis formar a sua própria família, foi no trabalho no campo que ele encontrou a oportunidade de renda que buscava. “Depois que eu arrumei família, eu comecei a trabalhar com horta. Eu comecei plantando hortaliça, alface, cheiro, cebolinha. Logo no começo eu plantava pra vender pra Ceasa”, recorda. “Com uns quatro anos eu passei a produzir produtos orgânicos e a participar das feiras de orgânicos”.
A transição para a produção orgânica acabou demandando um trabalho mais ativo no campo, mas Jonildo considera que o esforço é compensado ao saber que o alimento que vai para a mesa da sua família e de outras famílias paraenses garante mais saúde. “É um pouco mais difícil de lidar [com o orgânico] porque as pessoas que usam veneno não capinam e a gente que trabalha com orgânico tem uma lida de estar catando mato dia a dia, a mão. Mas para a saúde da gente é bem melhor”, consideram, ao contar que não apenas ele, mas os seus filhos também seguiram o mesmo caminho. “Eu tenho três filhos, uma trabalha comigo e, dos outros dois, cada um tem a sua horta”.
Vendo que os filhos conseguiram seguir a mesma profissão que, um dia, ele escolheu, Jonildo já acompanha a terceira geração da família se interessar pelo alimento que vem da terra cultivada sem veneno. “Às vezes a minha filha leva o filho dela, o meu netinho de um ano e três meses, e ele anda pela horta, pega um pedaço de hortaliça e põe na boca. A gente nem ralha porque a gente sabe que é um produto sem agrotóxico, sem nada, que não vai fazer mal pra ele”.
A relação com a agricultura familiar também vem desde a infância na vida da produtora Marciele Furtado, 20 anos. Ela conta que desde que se entende, via seus pais garantirem a renda da família a partir dos alimentos que eles plantavam na própria propriedade. “A gente mora em Santo Antônio do Tauá, mas só que é no interior. Desde quando eu me entendo eles já trabalham com verduras. Antes a gente vendia para Vigia, a gente ia de barco para lá, então, eu lembro disso desde muito pequena”, considera.
“Somos nós da família mesmo que plantamos. Além do meu pai e da minha mãe, nós somos cinco filhos e todos trabalham na mesma horta. E tem também os trabalhadores que a gente paga, então, no total, dá umas 9 pessoas que trabalham com a gente”.
O trabalho conjunto desenvolvido por vários membros da família é necessário porque, na agricultura orgânica, é necessário lidar diariamente da plantação, de acordo com cada fase do plantio. Além da semeadura, é preciso fazer a adubação, depois a capina, até que seja possível fazer a colheita. “Todo dia a gente está na horta. Agora, no tempo do verão, a gente tem que estar lá molhando se não elas ficam murchas e morrem. Além das verduras a gente planta também as plantas essenciais que a gente vende para a indústria de cosmético. Então, toda a renda da família vem disso”.
Parte das famílias que têm na agricultura familiar a sua fonte de renda estão reunidas na Rede Bragantina de Economia Solidária. Iniciada em 2008 a partir de uma iniciativa dos próprios agricultores que sentiram a necessidade de uma organização que possibilitasse a venda coletiva dos produtos produzidos por cada família, a rede atua na região nordeste do Pará, abrangendo 11 municípios, dentre eles Bragança, Augusto Corrêa, Santa Luzia do Pará, Santo Antônio do Tauá, entre outros. “Esse trabalho, nessa região desses 11 municípios, já envolve quase 2 mil famílias. A gente incentiva as famílias a produzir”, explica Socorro Reis, membro da Rede Bragantina de Economia Solidária.
Para que a comercialização em rede seja possível, os produtores dos 11 municípios organizados destinam suas produções para a sede da Rede Bragantina, no município de Santa Luzia do Pará. É lá, também, que a rede mantém uma agroindústria comunitária, onde os produtos podem ser beneficiados e padronizados, para serem levados para a comercialização na loja instalada na travessa Lomas Valentinas, no bairro da Pedreira, em Belém.
No início, o espaço concentrava a comercialização do mel produzido pela rede, mas, com o tempo, o espaço e as demandas foram se ampliando e, hoje, a comunidade também pode consumir alimentos produzidos com os cultivos da rede no local.
AGRICULTURA FAMILIAR
*A chamada agricultura familiar é formada por produtores rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados de reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores.
*A agricultura familiar brasileira é a oitava maior produtora de alimentos do mundo, sendo responsável por 23% do valor bruto da produção agropecuária brasileira.
*A agricultura familiar é responsável por 67% das ocupações no campo do Brasil, que sozinho reúne 3,9 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar em seu território.
Fonte: Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, elaborado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
COMEMORAÇÃO
Todo dia 25 de julho é celebrado como o Dia Internacional da Agricultura Familiar. A data foi criada em 2014 e definida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).