Os venezuelanos votam neste domingo (28) em um cenário jamais visto em 25 anos de chavismo. Sob pressão internacional e desgastado pela crise econômica prolongada, Nicolás Maduro, no poder desde 2013, vê uma ameaça inédita ao regime.
A mobilização da oposição fez nascer uma esperança que havia muito não se via de troca no comando do país e do retorno da democracia.
São dez os candidatos presidenciais a disputar a preferência de mais de 21 milhões de eleitores, que em recentes pesquisas demonstraram ampla vontade de ir às urnas, ainda que o voto seja facultativo.
Mas só um é um adversário real para Maduro, 61: o diplomata Edmundo González Urrutia, 74. González é o nome que estará na urna eletrônica, ainda que quem de fato tenha levado multidões às ruas em todos os cantos do país ao longo dos últimos meses seja María Corina Machado, 56.
A ex-deputada liberal, uma das opositoras mais vocais do chavismo desde os anos 2000, moderou seu discurso, priorizou consensos e consolidou sua figura em imagens de comícios com milhares a seu redor.
Em uma manobra do regime, ela foi impedida de concorrer a cargos públicos por 15 anos após sua liderança ficar evidente ao despontar com mais de 90% de apoio nas primárias realizadas pela oposição. María Corina foi buscar um nome para representá-la. Tentou a filósofa Corina Yoris, 80, sem sucesso; a candidatura caiu no colo de González.
O cenário é completamente distinto do pleito de 2018, boicotado pelo antichavismo. “Felizmente e surpreendentemente agora temos enorme disposição de outros setores políticos de participar do processo, e não de sabotá-lo”, diz Luis Lander, do Observatório Eleitoral Venezuelano.
Também é diferente pela completa incerteza de seu desfecho.
De um lado, a perspectiva de que a oposição, com cerca de 60% das intenções de voto em pesquisas independentes, vença e o regime não aceite o resultado. De outro, a possibilidade de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciar uma vitória de Maduro para um terceiro mandato de seis anos, e a frustração ou uma potencial acusação de fraude levar a protestos. Não há segundo turno.
Na véspera da votação, as ruas de Caracas estavam calmas, tomadas por milhares de cartazes com Maduro e seu bigode e os olhos de Hugo Chávez (1954-2013) pintados em paredes públicas. Mas pergunte aqui e ali qual o sentimento, e a resposta invariavelmente será o de muita ansiedade pelo que virá “no pós-28 de julho”.
Estima-se que os resultados possam ser anunciados apenas durante a madrugada da segunda-feira (29), e ninguém se arrisca a dizer o que ocorrerá seja qual for o vencedor. Para tornar ainda mais incerto o quadro, a posse só ocorre em janeiro, com mais de cinco meses para uma transição ou maior exposição do regime a questionamentos.
Maduro tem contra si na urna a derrocada da economia venezuelana em um período de má gestão, agravamento de sanções e isolamento regional. Foram em seus 11 anos no poder que o país sul-americano se tornou palco de uma das maiores crises humanitárias das Américas e origem de uma das maiores diásporas do mundo.
O ditador diz ser o único capaz de alavancar a mesma economia que definhou sob suas mãos. Os avanços recentes são microscópicos e não elevaram o poder de compra da população de forma relevante.
Do outro lado, González é uma incógnita. O candidato ainda não divulgou seu plano de governo e afirma que o fará somente após as eleições. Tampouco se sabe qual papel María Corina teria em um eventual governo da oposição.
Pessoas próximas dizem que ela poderia ser indicada a chanceler.
Apesar de a oposição ter chance real de vencer, a repressão não cessou. Organizações calculam que ao menos 130 pessoas ligadas ao antichavismo tenham sido detidas na campanha.
Muitas já foram soltas. É a chamada “porta giratória”, prática comum do regime, em especial na crise de 2017-2018, pela qual opositores são presos por um tempo e depois postos em liberdade. O objetivo é maquiar a perseguição política para a comunidade internacional, sem deixar de amedrontar opositores.
Sete membros do alto escalão da campanha estão asilados na embaixada argentina em Caracas, abrigados pela diplomacia de um dos principais desafetos regionais de Maduro, o ultraliberal Javier Milei.
O advogado Eduardo Torres, que atua para perseguidos políticos, afirma que Maduro fez “um abuso crônico da legislação nacional de terrorismo para deter quem critica o regime”.
O eleitor viveu nestes dias uma mistura de sentimentos: esperança, ansiedade, incerteza. Saber o que virá depois das urnas pode requerer paciência algo que para os venezuelanos parece ter se esgotado.
MAYARA PAIXÃO/CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS)