Embora pertencesse ao grupo dos maiores vertebrados terrestres de todos os tempos, o dinossauro Ibirania parva não passava de um nanico -em termos relativos, pelo menos. Medindo entre 5 m e 6 m da ponta do focinho à extremidade da cauda, a espécie, achada no interior de São Paulo, é a primeira forma “anã” dos saurópodes (dinos pescoçudos e herbívoros) a ser identificada no continente americano.
“Desde que os fósseis foram achados, já dava para saber que era um bicho de tamanho reduzido, mas a primeira hipótese sempre é a de que poderia se tratar de um indivíduo juvenil”, explica a paleontóloga Aline Ghilardi, professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coautora do estudo que descreve a nova espécie.
A análise detalhada da estrutura óssea do pequeno saurópode, no entanto, deixou claro que se tratava de um indivíduo adulto, justificando o batismo com um novo nome científico. O nome Ibirania vem do município de Ibirá, que fica a 420 km da capital paulista, na região de São José do Rio Preto, enquanto parva deriva de um termo em latim para “pequeno”, explicam os autores em artigo na revista especializada Ameghiniana.
Foi longo o parto científico do bicho -os primeiros elementos ósseos foram identificados em meio ao pasto na zona rural de Ibirá ainda na década de 2000 por Marcelo Fernandes, paleontólogo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), e foram estudados inicialmente por Ghilardi quando ela era aluna dele na graduação em biologia.
Outros colaboradores ajudaram a obter mais fósseis da espécie. A descrição analisou vértebras de diferentes regiões da coluna, ossos das patas dianteiras (o rádio e a ulna, que, nos humanos, são os da parte do braço ligada à mão) e traseiras, entre outros. O conjunto dos detalhes anatômicos deixa claro que o animal pertencia a um subgrupo dos titanossauros, animais que dominavam a fauna de herbívoros da América do Sul na fase final da era dos Dinossauros. Calcula-se que o I. parva tenha vivido há pouco mais de 80 milhões de anos.
Segundo Bruno Navarro, pesquisador da USP e primeiro autor do estudo, uma série de indícios ajudam a demonstrar que o animal já tinha alcançado a maturidade quando morreu e, portanto, pertencia a uma espécie naturalmente pequena. Uma primeira pista vem da fusão das suturas (articulações entre áreas ósseas) nas vértebras do bicho. Conforme os animais se tornam adultos, a presença de cartilagens nessas regiões vai diminuindo e elas vão se unindo.
“O problema é que isso é muito variável e segue uma determinada ordem no desenvolvimento, dependendo do grupo ao qual o animal pertence. No caso dos saurópodes, por exemplo, ela costuma acontecer primeiro no pescoço e depois vai seguindo em direção à cauda”, explica ele. Ou seja, as vértebras “maduras” no pescoço não necessariamente indicariam que o bicho de fato era adulto quando morreu.
A saída foi analisar as estruturas celulares dos ossos, por meio de tomografia computadorizada. “Isso mostrou que a estrutura óssea dele já era a de um adulto que tinha parado de crescer e, inclusive, semelhante à de formas ‘anãs’ em outros lugares do mundo”, resume Ghilardi.
Tudo indica, porém, que alguns mecanismos especiais entraram em ação na trajetória evolutiva do I. parva, ao menos quando o animal é comparado a seus primos nanicos. Já se sabia que alguns titanossauros brasileiros eram de porte relativamente modesto (cerca de 10 m) quando comparados a seus primos megalomaníacos da Argentina, que podiam ultrapassar os 30 m de comprimento em alguns casos.
Formas realmente anãs, no entanto, só tinham sido achadas na Europa, em regiões que, na época, eram um arquipélago. Cogitou-se, portanto, que essas espécies teriam sido forjadas pelo nanismo insular, fenômeno no qual animais de grande porte “presos” em ilhas vão ficando menores ao longo das gerações, já que a seleção natural favoreceria os que exigissem menos recursos para sobreviver no ambiente restrito em que vivem. Isso aconteceu, por exemplo, nas ilhas do Mediterrâneo da era do Gelo, que ganharam diversas formas de elefantes-anões.
Mas Ibirá não era uma ilha no período Cretáceo. Por outro lado, sabe-se que a região era semidesértica e muito pobre em recursos durante as fases de seca. “Além disso, ela parece ter sido cercada por montanhas que dificultariam o deslocamento dos animais que viviam ali para outros lugares”, destaca Marcelo Fernandes.
Tudo isso, segundo os pesquisadores, pode ter desencadeado o “encolhimento” da espécie. “As duas coisas, a tendência ao menor tamanho na linhagem dele e o ambiente muito hostil, podem ter contribuído para que ele se tornasse anão”, conclui Navarro.