Cintia Magno
Historicamente, a estação seca ocorrida na Amazônia tem a duração de três a quatro meses, porém, o que vem se observando nos últimos 40 anos é que, em toda a região Sul da floresta amazônica, essa estação seca tem ficado de 4 a 5 semanas mais longa, o equivalente a um aumento de uma semana por década.
Com o período seco ficando cada vez mais longo e mais árido, o cenário chama a atenção para o quão perto a Amazônia pode estar do ponto de não-retorno. O alerta é feito pelo climatologista Carlos Afonso Nobre, que esteve em Belém este mês para participar da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) que participou de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), inclusive do Quarto Relatório de Avaliação do IPCC que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007, Carlos Nobre destaca que o grande risco do prolongamento do período de seca na Amazônia é a proximidade dele chegar a um ponto em que não será mais possível reverter os impactos causados à floresta.
Se essa estação seca atingir o período de seis meses de duração, o que as pesquisas indicam é que a floresta será convertida a uma condição de savana tropical. “Se atingirmos o ponto de não-retorno, a floresta vai mudar. Teremos um sistema aberto, altamente degradado, parecido com uma savana tropical, mas muito pior que o Cerrado, com muito menos biodiversidade, muito menos armazenamento de carbono e enorme perda de carbono”, alerta. “Em um cálculo inicial, se nós passarmos do ponto de não-retorno, nós vamos jogar na atmosfera 250 bilhões de toneladas de gás carbônico entre 30 e 50 anos, tornando impossível manter a temperatura do planeta em 1.5ºC”, explicou o pesquisador, que também é copresidente do Painel Científico para a Amazônia.
“Em 1990 e 1991 eu e outros pesquisadores publicamos o artigo falando do risco de não-retorno, só que naquela época tinha 7% de desmatamento na Amazônia e o artigo falou que se o desmatamento ficasse muito grande, a estação seca em todo o Sul da Amazônia iria passar de seis meses e viraria Cerrado”.
Na época em que o artigo foi publicado, Carlos Nobre lembra que o que se tinha era apenas uma projeção do que poderia vir a acontecer. Mais de três décadas depois, hoje o risco é real e já vem demonstrando sinais. “A degradação está explodindo nos últimos anos. Nós tivemos quatro secas muito fortes em 2005, 2010, 2015 e 2016, 2023 e 2024, sendo o último o recorde histórico. E também essas secas estão fazendo aumentar muito a degradação”, alertou Carlos Nobre. “Então, o aumento da estação seca no Sul da Amazônia, o aumento do déficit de umidade e o aumento da mortalidade de árvores são três exemplos de quão perto a Amazônia está do ponto de não-retorno”.
REVERSÃO
Ainda que essa proximidade acenda um alerta, Carlos Nobre acredita que ainda é possível reverter o quadro, mas, para isso, é preciso aumentar a governança na região, eliminar o desmatamento, a degradação e o fogo; conservar e restaurar a floresta e desenvolver o que é chamado de uma nova sociobioeconomia de floresta.
“Nós temos que não só zerar o desmatamento, a degradação e o fogo, mas também fazer restauração. Só assim nós podemos impedir o ponto de não-retorno porque a floresta vai crescendo e passa a reciclar mais água, passa a baixar a temperatura, e isso vai fazer com que a duração da estação seca pare de crescer”, considerou, ao pontuar que o Brasil tem condições de liderar este cenário.
“O Brasil tem toda a condição de ser o primeiro país do mundo a zerar suas emissões líquidas, zerando o desmatamento, com transição energética e também reduzindo as emissões da agricultura e da pecuária. O Brasil pode, sim, ser o primeiro país a fazer isso e liderar todo mundo em desenvolvimento para reduzir as emissões, mas é lógico que esse é um desafio global, todos os países do mundo têm que reduzir as emissões”.