Já nos acostumamos a comprar pela internet, é fato. Somente no ano passado, o e-commerce no Brasil faturou R$ 185,7 bilhões, de acordo com os dados da Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), com 87,8 milhões de consumidores virtuais e 395 milhões de pedidos. Um potencial para o qual as empresas estão de olhos abertos e criando suas estratégias para colocar seus produtos nessa enorme vitrine, com uma variação infindável de itens oferecidos.
Os saberes de povos indígenas brasileiros e sua produção artesanal estão buscando sua fatia nesse mercado.
Presente hoje na web com site próprio de vendas, além do YouTube e Instagram e ainda em lojas físicas parceiras, a Tucum se estabeleceu como um “marketplace” de artes indígenas, dedicada a promover a valorização das culturas indígenas no Brasil com política de preço justo. Atualmente, envolve mais de 50 comunidades indígenas de onde saíram as cerca de 8 mil peças disponibilizadas. São desde roupas e biojoias, cerâmicas, cestarias, cosméticos, alimentos da floresta a matérias primas, tudo produzido a partir de tradições ancestrais.
Comandada por Amanda Santana – sócia-fundadora e diretora criativa – e Amanda Scarparo – criadora de conteúdo -, a Tucum vai desde a assessoria a organizações indígenas na estruturação da cadeia produtiva do artesanato e no desenvolvimento de seus negócios, ao papel de parceira comercial na venda dos produtos que saem daí.
Para as duas Amandas, é um negócio que apoia a luta por autonomia dos povos indígenas, ao contribuir com a economia dessas comunidades, ao mesmo tempo em que fortalece suas identidades, sem retirar o protagonismo dos criadores. “A Tucum atua diretamente na geração de renda e na amplificação de suas narrativas”.
“A gente faz questão de falar sobre cada fazer, sobre cada modo de existir, sobre cada cosmologia envolvida no fazer de cada peça. E isso faz com que o público, a sociedade de forma geral, enxergue os povos indígenas com outra lente, da diversidade, da multiplicidade, não aquele indígena que a gente aprende de forma colonial na escola. A gente mostra que os indígenas são diversos, eles estão nas cidades, nas periferias, nas aldeias, nas esferas políticas, nas tomadas de decisão”, dizem as duas, em entrevista respondida por mensagem.
A curadoria, elas contam, é feita de uma maneira compartilhada com as organizações e iniciativas, que hoje já procuram a plataforma como parceira de vendas. “Primeiro observamos, vamos conhecendo a produção e preferências de cada grupo, e a partir deste estudo, escolhemos o que apostamos que tem mais aderência e o que que pode ser comercializado com mais eficiência”.
Um dos critérios que abraçaram foi fazer uma “precificação transparente”, afirmam. “O preço é subjetivo, mas com a presença cada vez mais dos indígenas no mercado, entendendo os custos das matérias-primas ou o custo de ir até o mato, retirar a matéria-prima para o artesanato, essa precificação não tem sido mais tão subjetiva. E ela é estabelecida também por uma relação desses indígenas com o mercado. O que a gente busca como uma empresa B, como uma empresa que faz parte da Rede de Origens, é manter essas relações financeiramente equilibradas e justas para que a gente assegure que o artesão ganhe o valor que ele precisa, quer e acha justo”.
Também dizem monitorar os impactos gerados nas comunidades a partir dessa produção direcionada às vendas. “A gente construiu desde 2019 uma matriz de impacto que a gente fez com o apoio da NAAS, nossa aceleradora. É onde a gente monitora o volume de compras, quantas associações estão envolvidas, o território que essas organizações ocupam, quanto de impacto cada indivíduo promove ao fazer artesanato dentro do seu território, quantidades de produtos vendidos, quantidade de pessoas envolvidas no negócio”.
Para as empresárias, o debate sobre apropriação cultural, ao transformar esses saberes em produtos de venda, também é relativo. “[os produtos] Eles já são feitos com esse intuito de serem comercializados, por mais que carreguem diversos símbolos, grafismos, modos e saberes de fazer e existir que fazem parte da vivência de cada povo”. Defendem que o retorno financeiro para as comunidades e também a circulação dos itens ajudam a fortalecer os povos indígenas.
“Quando um produto, um cesto, está sendo feito dentro do território, ele é praticamente uma sala de aula, é uma matéria que está sendo ensinada, é a criança, o jovem que está aprendendo através do exemplo. Se o artesanato está sendo feito, valorizado, reconhecido, esse conhecimento vai continuar vivo. E o conhecimento tradicional é que mantém a cultura de um povo. O artesanato tem muito essa função e fortalece muito o território. Para a gente, é o maior impacto que o artesanato gera.”