RIO (AG) – O número de cartões de crédito em uso no país é maior do que o dobro da população ocupada no Brasil. Ao todo, são 212 milhões de cartões, de acordo com um levantamento do Banco Central. A população brasileira soma 203 milhões. Do total, 101,3 milhões estão ocupados, segundo o IBGE. Fazendo as contas, daria cerca de dois cartões de crédito para cada adulto trabalhando. Para efeito de comparação, o país tem 260,2 milhões de linhs de celular ativas.
Transações com cartões de crédito movimentaram R$ 635,2 bilhões no primeiro trimestre, aumento de 14,4% sobre o mesmo período em 2023. A maior oferta de crédito e vantagens envolvendo a fidelizaçãio dos clientes são motivos para a grande quantidade de “plásticos” em circulação. Mas, embora a inadimplência esteja caindo no Brasil, dados mais recentes do Serasa mostram que ainda há 73,42 milhões de pessoas com dívidas não pagas, sendo que bancos e cartões de crédito representam a maior fonte de inadimplência, 29,62% do total.
– Se uma pessoa ganha R$ 1,4 mil e tem um limite de R$ 500, ela não pode agir como se ganhasse R$ 1,9 mil. O cartão é benéfico em situações em que o consumidor consegue honrar o pagamento de 100% da fatura, senão ele entra no rotativo, que é o maior juro do mercado – diz Lucas Barleta, gerente da Serasa.
Os juros do rotativo do cartão atualmente estão em 422,5% ao ano. Em janeiro, no entanto, entrou em vigor uma nova regra que limita a taxa a 100% do valor devido. Especialistas consideram o percentual ainda alto, mas pode contribuir para que menos pessoas “se enrolem”.
O estudante universitário Crystian Botelho, de 23 anos, passou por um sufoco no ano passado quando deixou de pagar a fatura de seu cartão de crédito e viu o valor dobrar em um mês. Seu nome foi parar no Serasa e ele e seus pais tiveram que pegar um empréstimo consignado para quitar a dívida.
– Foi horrível, eu recebi ligações de cobrança de cinco em cinco minutos por um mês – conta o estudante.
Ele relata que tentou negociar a dívida com o banco, mas os juros cobrados pelo parcelamento da nova proposta aumentavam o valor a ser quitado em R$1.500 (a dívida sairia de R$2.000 para R$3.500). O limite original de seu cartão era de R$1.400.
Ricardo Vieira de Barros, vice-presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), acha positivo o crescimento no número de cartões de crédito. Para ele, não há relação entre a quantidade de cartões de crédito e o aumento da inadimplência no país.
– Não é culpa dos cartões, mas de uma oferta maior de crédito. A política de crédito dos bancos deve conceder um limite adequado e também é importante que o cliente tenha educação financeira para entender que o cartão é um bom produto, desde que seja usado com planejamento e cautela – diz.
Já William Eid, especialista em finanças pessoais da FGV, argumenta o contrário.
– Com uma oferta maior de crédito, as pessoas se endividam mais. Você tem o cartão e você gasta. Você não sente o dinheiro sair. E hoje é praticamente impossível viver sem cartão de crédito, com a segurança de não precisar carregar grandes quantidades de dinheiro, além dos prêmios, cashback… – diz Eid, destacando que os juros altos dos cartões contribuem para prejudicar ainda mais quem está endividado.
Há mais de ano, a dentista Ana Lúcia Santoro, de 58 anos, não paga a fatura de seis cartões de crédito em seu nome. O endividamento começou quando precisou terminar uma obra em casa. Quando passou a não conseguir pagar as faturas em dia, ela começou a parcelar.
– É tanto parcelamento em cima de outro parcelamento que chega o momento em que o valor fica impagável – relata.
Nesta semana, entrou em vigor a portabilidade da dívida do cartão de crédito. Quem estiver no rotativo poderá fazer a transferência do saldo a ser quitado para outra instituição financeira que ofereça melhores condições de pagamento.
O estudante Crystian Botelho diz que consideraria transferir a sua dívida para uma instituição que cobrasse menos juros, caso tivesse essa opção disponível na época.
Já a dentista Ana afirma se sentir insegura com a possibilidade de usufruir da nova regra de portabilidade.
– Eles ofereciam o cartão de crédito e eu fui aceitando sem pensar muito. Infelizmente, hoje eu percebo que caí na bobagem de usá-lo como se fosse uma moeda – lamenta a dentista.
Texto de: Luana Reis