“O que aconteceria se eu tomasse um?”, pergunta a personagem Samantha Jones, de Sex and the City, apontando para os comprimidos de viagra de seu parceiro na série.
Enquanto a ficção faz suas próprias regras, a realidade mostra que os efeitos do famoso comprimido azul nas mulheres são menos evidentes. Mais: é um consenso entre especialistas de que não existe equivalente do “viagra” feminino.
O viagra (nome comercial da sildenafila) foi criado para combater a angina (tipo de entupimento dos vasos sanguíneos) devido ao seu potencial de vasodilatação. Em 1998, foi aprovado para uso nos Estados Unidos pela FDA (agência americana que regulamenta drogas e alimentos) como primeiro tratamento oral para impotência.
Por ser um vasodilatador, o efeito do remédio em homens e mulheres será o mesmo: mais sangue direcionado para a região genital. Nos homens, causará ereção. Nas mulheres, uma maior secreção.
Porém, a especialista em ginecologia endócrina e climatério pela Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), Mariana Prado, alerta para os riscos do uso desse medicamento.
“O viagra está focado na ereção. Não podemos extrapolar seus efeitos para o corpo feminino. Para as mulheres, a ereção não é o ponto central.
Na mulher, explica a médica, a falta de desejo é multifatorial e não depende apenas de medicação.
“Não é uma questão de tomar um comprimido e resolver tudo. Se fosse assim, seria fácil. Além disso, há muitos efeitos colaterais para algo que não é 100% indicado.”
A mesma visão é compartilhada pela terapeuta e consultora em sexualidade do ambulatório de saúde da mulher do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Regina Moura. “Para as mulheres, tomar viagra não faz sentido. Não vai gerar tesão nem proporcionar orgasmos incríveis. Existem outras formas de alcançar isso”, diz.
No entanto, há quem diga que o viagra pode aumentar a lubrificação em mulheres, mas apenas se o desejo sexual estiver presente, explica a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e autora do livro “Sexo no Cotidiano” (Editora Contexto).
“A personagem [de Sex and the City] teve uma resposta que é real. Como ela tem o desejo preservado, consegue ter maior excitação e mais lubrificação com o medicamento. No entanto, em uma mulher com falta de desejo, a droga não teria o mesmo resultado”, afirma Abdo.
Isso porque, para muitas mulheres, a falta de desejo que tem efeito no cérebro, e não no clitóris é a principal questão, diz a psiquiatra. O ciclo de resposta sexual tem três fases: desejo, excitação e orgasmo.
Medicamentos como o viagra, que atuam na fase da excitação, terão poucas chances de eficácia se a primeira fase não for alcançada.
O contexto do relacionamento também importa. Para Abdo, uma relação pouco satisfatória trará respostas menos sexuais. Nesses casos, vale um acompanhamento multiprofissional, como ginecologistas e psicoterapeutas.
É por isso que as pesquisas científicas de remédios “mágicos” para as mulheres focam na ação direta sobre o sistema nervoso central, afetando o desejo sexual. É o caso da pílula rosa.
Conhecida como a pílula do desejo feminino, a pílula rosa é o mais perto que a ciência já chegou de um viagra feminino. Mas, segundo Moura, foi um “fracasso total”.
O viagra feminino aumenta a liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina, responsáveis por aumentar o desejo e prolongar a excitação, respectivamente, e deve ser ingerido diariamente.
Enquanto os efeitos colaterais mais comuns da pílula azul envolvem congestão nasal, rubor e dor de cabeça, os da rosa incluem tonturas, desmaio, náusea, fadiga, insônia e boca seca.
Além disso, as mulheres não podem tomar ansiolíticos, antidepressivos, antibióticos e anticoncepcionais junto com a droga, muito menos bebidas alcoólicas. “Na relação custo-benefício, as mulheres saem em desvantagem”, afirma Abdo. A droga não está disponível no Brasil.
Enquanto não surge uma pílula mágica para as mulheres, existem alternativas, desde as mais naturais até as mais controversas.
No universo das ervas, o Tribulus terrestris, também conhecido como Gokshura ou Gokharu, a maca peruana e o fenogrego podem ajudar no aumento da libido mas não há comprovação científica de que funcionam, reforçam as médicas. “O ideal é a gente sempre prezar a prescrição médica”, afirma Prado.
O uso de antidepressivos, como a bupropiona, pode melhorar o interesse sexual de mulheres que não tenham depressão. O remédio atua no sistema nervoso central, e seu uso deve ser avaliado e prescrito por um médico.
Além destes, existe o caminho hormonal, com o uso da testosterona. O hormônio, que age na melhora da libido, é indicado no Brasil para mulheres na pós-menopausa com falta de desejo apenas com receita médica.
A dose utilizada é muito inferior à recomendada para homens, e seu uso deve ser interrompido assim que a mulher começar a ter uma resposta ou se nenhum efeito for observado após o segundo mês.
Larissa Cassiano, médica ginecologista e obstetra com mestrado pela FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), explica que a literatura médica é relutante ao uso da testosterona. Isso porque os efeitos colaterais são significativos, como alterações na voz, aumento de pelos no corpo, pele mais oleosa, queda de cabelo e aumento do clitóris.
“Quanto maior a dose, maior o efeito colateral, que não é reversível facilmente. Não é só parar de usar que vai voltar ao normal. A alteração no clitóris só se resolve com cirurgia, por exemplo, afirma Cassiano.
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*VITOR HUGO BATISTA – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)