BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os maiores entraves no trâmite do projeto sobre a revisão da reforma do ensino médio no Congresso estão concentrados na organização da carga horária de aulas.
A previsão é de que novas mudanças passem a valer em 2025, mas, com o projeto ainda em tramitação, está indefinido como os alunos terão acesso às novas regras.
O projeto de lei encaminhado pelo governo Lula (PT) passou na Câmara e no Senado, mas como sofreu alterações entre os senadores, retornou para os deputados.
A expectativa agora é de que a versão aprovada na Câmara seja restabelecida, segundo dizem parlamentares e secretários de Educação. O que passar na Casa segue para a sanção presidencial.
“Vou trabalhar para preservar o texto que não é o meu, mas resultado de acordo com o governo, com secretários de Educação e com a Câmara, onde teve apoio de partidos que vão do PT ao PL”, disse à Folha o relator do texto na Câmara, deputado Mendonça Filho (União-PE).
A expectativa é de que o texto seja votado antes do recesso do Congresso, que começa em 18 de julho.
O governo Michel Temer (MDB) aprovou o chamado Novo Ensino Médio em 2017. Mendonça Filho era ministro da Educação na época.
A lei consolidou a flexibilização do currículo, com a divisão da etapa em dois blocos: uma parte comum, em que todos alunos estudam os mesmos conteúdos (e disciplinas tradicionais), e outra dedicada a áreas de aprofundamento -os chamados itinerários formativos, organizados por diferentes áreas.
Com a implementação da reforma nas escolas, a partir de 2022, apareceram os problemas. Estudantes, professores e especialistas denunciaram perdas de conteúdos tradicionais na parte comum e oferta deficiente dos itinerários.
Os problemas nos itinerários passam tanto por falta de oferta de opções para os alunos escolherem, como prevê a reforma, quanto por disciplinas desconectadas.
Pressionado por mudanças e até por revogação da reforma, o governo Lula promoveu uma consulta pública e encaminhou ao Congresso, em outubro de 2023, projeto de lei com propostas de mudanças. Em linhas gerais, o governo busca aumentar a carga horária comum a todos os alunos, e também prevê uma organização diferente para os itinerários.
Hoje, essa parte comum tem 1.800 horas, considerando a carga integral de 3.000 horas. Esse total de 3.000 horas equivale ao cursos regular, com 5 horas diárias de aulas nos três anos do ensino médio.
O texto aprovado na Câmara ampliou de 1.800 horas para 2.400 horas essa parte comum, em linha com o desejo do governo. Mas ficou estabelecido uma exceção: para estudantes da educação técnica profissional, essa base geral pode ser menor, de 2.100 horas (300 horas desse montante deve aliar a formação geral e o ensino técnico).
Essa exceção foi definida para possibilitar a oferta de cursos profissionais de 800 horas. O que contempla um ensino médio integrado mas com o mesmo total de 3.000 horas.
No Senado, as 2.400 horas da parte comum foram mantidas. Mas o texto da relatora na Casa, senadora Professora Dorinha (União-TO), trouxe uma nova definição para o mínimo de horas de quem estiver no ensino técnico profissional.
Foi aprovada a previsão de que, até 2029, a carga horária da parte comum para esses alunos de ensino técnico, definidas em 2.100 horas na Câmara, chegue também a 2.400 horas -ficando, dessa forma, no mesmo patamar dos outros itinerários.
Mas, dessa forma, o texto do Senado prevê que, após 2029, os alunos que façam a opção de ensino técnico no médio teriam uma carga horária total maior que as 3.000 horas do ensino regular: entre 3.200 a 3.600 horas, a depender da carga dos cursos técnicos.
Houve reações, sobretudo de secretários de Educação: essa ampliação de horas poderia inviabilizar o ensino médio integrado com técnico e, ao invés de fomentar a oferta, dificultar a expansão.
“Se vamos estender a carga horária do novo ensino médio, qual impacto disso sobre transporte, alimentação, uso do espaço físico? Existe orçamento, virá de onde?”, questiona o presidente do Consed (que reúne os secretários de Educação dos estados), Vitor de Angelo.
ENTENDA O QUE AINDA ESTÁ EM DISCUSSÃO NA REVISÃO
Quais os principais pontos ainda em debate?
A maior polêmica do texto do Senado, aprovado em 19 de junho, tem relação com a carga horária para o ensino técnico e profissional. Ficou previsto um aumento no número de horas no âmbito desse tipo de formação em um prazo de cinco anos.
Também foi incluído o espanhol como obrigatório e maior rigor para contratação de professores por notório saber para atuar na educação técnica. Pontos que também devem ser revertidos na Câmara.
O que continua igual para os alunos do ensino médio, independentemente da versão que passar?
O ensino médio continuará com o princípio da flexibilização, organizado em dois blocos, como a reforma de 2017 definiu: uma parte da carga horária é comum a todos os alunos, cujo conteúdo é ancorado na Base Nacional Comum Curricular, e outra parte é direcionada para os itinerários de aprofundamento.
Também será mantida a previsão para que o aluno escolha qual itinerário deve cursar, a depender da oferta na escola.
O que certamente muda com relação ao formato atual, de 2017?
Tanto o texto que passou na Câmara quanto o do Senado preveem um aumento da carga horária da parte comum a todos os alunos. Ambos preveem ampliar das atuais 1.800 horas para 2.400, considerando uma carga total de 3.000 horas.
Esse piso de 2.400 horas foi a principal alteração defendida e negociada pelo governo Lula. Busca ampliar a formação geral básica, de disciplinas tradicionais, e responder às críticas de perda de conteúdos importantes com a reforma.
Como deve ser a votação na Câmara?
A nova análise do texto na Câmara depende de acordo do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), com líderes dos partidos. A expectativa entre os parlamentares é de que haja votação ainda neste mês, antes do recesso.
Qual posição do MEC e do governo?
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), publicou nas redes sociais que “as alterações feitas pelo Senado serão revertidas para restabelecer o texto original da Câmara”. A equipe técnica do MEC dialogou com a relatora do texto no Senado, mas a pasta se concentrou na manutenção das 2.400 horas para a formação básica (no lugar das atuais 1.800 horas).
Em nota, pasta diz que o diálogo deu resultados, sem indicar preferência por alguma versão. “O MEC entende que o texto do Senado trouxe aperfeiçoamentos pontuais que se somam ao consenso produzido antes na Câmara. O diálogo permanente do executivo com o parlamento entregou uma reformulação qualificada do ensino médio”.
Como será a implementação das novas mudanças?
Com o tema ainda em trâmite, há uma indefinição sobre como o novo formato chegará nas salas de aulas. Secretários de Educação dos estados já preveem trabalhos extras de reescrita das matrizes curriculares, além de adaptações e criação para adaptar os itinerários ao que ficará definido. O principal gargalo é na adaptação para os alunos que já estão no ensino médio -e hoje cursam a estrutura definida em 2017.
*PAULO SALDAÑA, MARIANA BRASIL E MATHEUS TEIXEIRA