Wal Sarges
O Dia do Orgulho LGBT é celebrado neste 28 de junho e rememora um episódio dramático ocorrido em 1969 no Bar Stonewall, nos Estados Unidos, após uma batida policial que reprimia a expressão e a liberdade homossexual. Após um ano, a data passou a representar as lutas do movimento LGBTQIAPN+ ao longo de 55 anos. Na Amazônia, os movimentos de resistência também estão presentes, e intimamente ligados a uma forte produção artística.
Nas artes visuais, Henrique Montagne traz suas próprias vivências para se expressar. “O processo começou em 2016, quando trouxe questões fortes em torno do corpo, da reflexão do corpo na arte e a aproximação entre arte e vida. Com isso, acho que desde 2019, eu passei a tratar de uma forma mais ácida em torno das temáticas LGBT e Queer. Assim, trago as minhas vivências pessoais, que, por mais que sejam vivências homoafetivas, homossexuais e, enfim, LGBT, são naturais da vida e trazem questões como o amor e a solidão. Dessa forma, todo mundo se identifica com as obras”, explica.
Atualmente, o artista está em Marabá com a individual “Pretérito Imperfeito”, que une trabalhos envoltos da palavra e de como ela se apresenta no seu trabalho, entrando em outras linguagens da arte. Traz obras antigas e novas, entre elas, um mural que fez especialmente para a exposição.
“Na sociedade, as oposições do patriarcado, as oposições da masculinidade hegemônica, padrão heterossexual, que nos ferem desde crianças, são postas na nossa cabeça de uma forma que nós temos que seguir assim. Ela, na verdade, é muito mais complexa que isso. Somos pessoas reais, que vivem, que choram e que amam, sobretudo, o direito de amar quem elas nasceram para amar. Nos desenhos, nos vídeos, nas instalações, na fotografia, proponho nuances e reflexões em torno disso”, descreve Montagne.
Ele conta que também está sempre pesquisando artistas que são LGBTs, mas que trazem outras questões e abordam outras formas de identidade ou de trabalho e de pesquisa. “Victor De La Roque é um artista visual de Belém e a produção dele iniciou entre 2010 e 2012. Ele trabalha com performance e tem uma produção muito interessante e instigante, que serviu como referência para mim quando eu ainda não tinha entrado no mundo da arte”. Montaigne cita ainda Orlando Maneschy (que fez registros históricos do movimento drag em Belém), Labô Young (que associa experiência pessoal e natureza em produções de moda), Flores Astrais, Sarita Themônia e o Coletivo NoiteSuja, que integram a atual cena drag amazônica com repercussão nacional.
Por dentro dos museus
Ainda em 2021, o artista já tinha sido destacado pelo curador Mariano Klautau Filho quando realizou “Suaves Brutalidades”, uma exposição individual com curadoria de Tales Frey. Na época, a exposição que abordava o erotismo homoafetivo foi cancelada pelo Banco da Amazônia depois de selecionada pelo edital da própria instituição. A partir daí, a direção da Casa das Onze Janelas, antigo Museu de Arte Contemporânea, convidou o artista para montá-la em suas salas.
“Foi a melhor individual que aconteceu na cidade nos últimos cinco anos. Primeira exposição de um jovem artista que transita entre a fotografia, objeto, desenho, vídeo e instalação. Tudo muito bem costurado por uma narrativa que dá coesão ao conjunto e trata de forma irônica, sexy e melancólica, às vezes, as questões do corpo masculino, das relações amorosas, das identidades juvenis e estabelece uma cumplicidade nostálgica com o público de todas as idades”, comenta Mariano.
O mesmo espaço acolheu este ano a obra “Santa Ceia”, do coletivo NoiteSuja, que recebeu o Prêmio Aquisição na 13ª edição do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. A obra foi produzida em 2018. “Ter imagens do Coletivo NoiteSuja dentro dos museus da cidade de Belém é grandioso. Durante alguns meses, a exposição foi visitada por escolas de ensino fundamental e médio”, diz Matheus Aguiar, um dos fundadores da Noite Suja, grupo criado junto da artista Tristan Soledade.
Matheus Aguiar, que é natural de Capitão Poço e mora em Belém desde 2009, se diz muito feliz com a repercussão da obra. “Imagine ser uma criança e ver um trabalho como a ‘Santa Ceia’! É enriquecedor para a formação daqueles cidadãos. Quando criança, morando em Capitão Poço, não tive a oportunidade de visitar um museu e conhecer identidades tão plurais. O que eu via nos museus era sempre voltado a um passado distante. A gente sabe, hoje, que um dos papéis do Museu é acolher as expressões culturais que pulsam ao seu redor. E é assim que nós vemos: como expressão cultural única no mundo todo. O sentimento é o de estar exercendo nossa cidadania. E, através das imagens, mostrar que, juntos, em comunhão, conseguimos sobreviver”.
Um quê de themônia amazônica
Noite Suja é um coletivo formado, em 2013, por artistas da Amazônia paraense. O grupo produz festas, espetáculos de teatro, exposições de arte visual, entre outras ações em espaços públicos e privados de Belém. Aos poucos, o coletivo foi fazendo mais e mais produções, que acolhiam artistas de diferentes artes, em especial a arte Drag, além de artistas moradores de periferias, longe das casas noturnas do centro.
“Em algum momento dessa trajetória, começamos a nos identificar enquanto ‘Themônias’, pois o significado de ‘Drag’ já não dava mais conta das nossas expressões, tão diversas, tão ligadas a nossa terra. Somos Themônias da Amazônia!”, exulta Matheus Aguiar.
Ao lado de Matheus, neste grande movimento político-artístico, estão outros, como Juliano Bentes, mestre em Artes, DJ da Produtora Bafônica e a drag Skyyssime desde 2016. “Skyyssime sou eu, é uma extensão identitária, mas que continua sendo eu, não é como um personagem ou algo assim, é o meu corpo alterado e significa potência. Mostra que eu consigo ir muito além, significa ainda ultrapassar limites, não é uma coisa só, é a própria obra em si”, considera.
Juliano também reflete sobre o Dia do Orgulho LGBT+. “Tem um significado muito especial por ser o gatilho da luta pelos nossos direitos políticos. O movimento das Themônias também nasce desse lugar, da demonização que os nossos corpos sofrem no dia a dia, e a gente contrapõe essa demonização cristã mesmo, de demonizar todo o suposto diferente, a gente toma para a gente esse local de demonização e ressignifica numa coisa cheia de afeto, de cuidado, de qualidade… A ‘themonização’ é a retomada política e artística da demonização. Nós buscamos enlaçar tudo que nos empurra para baixo e mostrar que é aí que está a nossa força”, diz ele.