FERNANDA PERRIN
ATLANTA, EUA (FOLHAPRESS) – O primeiro debate presidencial entre Joe Biden e Donald Trump, e talvez o único, ocorre na noite desta quinta-feira (27) em Atlanta, na Geórgia. Nunca um embate ocorreu tão cedo na história moderna americana, antes mesmo das convenções partidárias. Para ambas as campanhas, a preocupação são os fantasmas que assombram os candidatos: o de que o democrata é velho demais e o de que o republicano é desequilibrado demais para o cargo.
As apostas são especialmente altas para Biden, um presidente impopular que está atrás nas pesquisas de intenção de voto. Mais importante do que provar que merece um segundo mandato, o democrata precisa convencer o eleitorado de que é capaz de exercê-lo –ou, ao menos, que a alternativa é muito pior que ele.
Nesse sentido, Trump está, em teoria, em uma situação um pouco mais confortável. Sua meta é se sobressair como o candidato mais vigoroso e reforçar a opinião predominante de que é mais competente para lidar com as principais preocupações dos americanos: economia e imigração.
É a primeira vez que os dois se encontram desde o pleito de 2020. O local escolhido é simbólico: Trump venceu na Geórgia há oito anos; Biden, há quatro -resultado que levou o empresário a tentar reverter sua derrota e motivou um processo criminal em andamento na Justiça estadual.
O esquenta em Atlanta -quase literal, dadas as máximas de até 37ºC na cidade nesta semana- ilustra em boa medida as prioridades das campanhas. Democratas fizeram na quarta-feira (26) um evento com jornalistas para falar sobre “os ataques de Trump à democracia e sua adesão à violência política”.
No mesmo horário, republicanos organizaram uma roda de conversa com lideranças empresariais negras pró-Trump em uma barbearia -uma resposta a um evento democrata em um salão de beleza comandado por uma mulher negra na véspera, lotado por jornalistas para ouvir discursos do prefeito de Atlanta, o democrata Andre Dickens, e outros congressistas do partido sobre a política de Biden para pequenos negócios.
Na noite de quarta, republicanos organizaram ainda o encontro “Congresso, conhaque e charutos”, também voltado ao eleitorado negro. Democratas, por sua vez, estamparam três outdoors na rota de chegada de Trump à cidade com a frase “Donald, bem-vindo a Atlanta pela primeira vez desde que se tornou um criminoso condenado”.
Relembrar o eleitor da recusa do empresário de aceitar sua derrota e da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 são prioridades de Biden. O presidente deve ressaltar frases radicais recentes de Trump, como de que não seria um ditador “exceto pelo dia 1” de um novo mandato, que podem ter passado fora do radar da maioria desatenta ao pleito até agora.
Outro tema-chave para democratas é o aborto, um dos poucos em que a posição do presidente está mais em sintonia com a do eleitorado do que a de Trump. Biden deve acusar o republicano de ser culpado da revogação do direito em âmbito federal ao procedimento, decisão da Suprema Corte que completou dois anos nesta semana, e de querer restringir o acesso a métodos contraceptivos.
Assim, o maior inimigo de Trump acaba sendo ele mesmo: cair na tentação de repetir acusações infundadas de fraude eleitoral em 2020, ser excessivamente agressivo e escorregar na sua posição sobre o aborto. Isso daria munição para ser pintado como alguém desequilibrado que ameaça a democracia e os direitos das mulheres americanas.
Trump já defendeu a decisão sobre aborto da Suprema Corte –na qual ele conseguiu formar uma maioria conservadora– como um reflexo da vontade do povo. Mais recentemente, porém, ele defendeu que cada estado tenha sua própria legislação e, ciente da potencial mobilização eleitoral em torno do tema, tem evitado defender publicamente uma proibição em âmbito federal.
Paira sobre o ex-presidente o fantasma de seu desastroso desempenho no primeiro debate de 2020, que entrou para a história como um “dumpster fire” -expressão cuja tradução literal é algo como “fogo em caçamba de lixo”. Muitos analistas entendem que Biden cravou sua vitória ali.
O próprio candidato está consciente desse dilema. Em um comício na Filadélfia no último sábado (23), Trump questionou o público se preferia que ele fosse “duro e desagradável” ou “legal e calmo e deixar [Biden] falar” no debate. A plateia vaiou em peso a segunda opção.
Para Biden, o maior perigo é reforçar a narrativa republicana de que não tem mais capacidade física e mental de ser presidente. O debate vai ser um raro momento em que os americanos verão seu líder atuar, durante 90 minutos, sem estar rodeado por assessores ou amparado por discursos prontos. Um tropeço -literal ou verbal, como um lapso de memória- é o maior pesadelo democrata.
Se Biden for bem, poderá desmontar a imagem de senilidade construída em meios conservadores, valendo-se por vezes de imagens fora de contexto ou editadas de má-fé.
Antecipando essa possibilidade, Trump afirmou no último sábado que o presidente poderá estar sob efeito de alguma substância para melhorar seu desempenho.
“Ele [Biden] está dormindo agora, porque eles querem que ele esteja bem e forte. Então, um pouco antes do horário do debate, ele vai tomar uma injeção na bunda”, disse, sem provas.
Outro tema espinhoso para Biden é a economia. A disparada da inflação durante seu mandato, em um país pouco acostumado com o problema, é uma das principais insatisfações do eleitorado. A lembrança de que o custo de vida era menor durante o governo Trump levou, por sua vez, a uma melhora da avaliação de sua Presidência, em retrospecto.
Admitindo a derrota na tentativa de convencer os americanos de que a situação está melhor agora -citando investimentos em infraestrutura e o mercado de trabalho aquecido, por exemplo-, democratas recalibram a estratégia para caracterizar Trump como um defensor dos interesses de bilionários e grandes empresas.
Biden está desde quarta-feira (19) em Camp David, de onde sai apenas para o debate. Aliados o ajudam a preparar respostas e, fazendo o papel de Trump, ensaiam debates de 90 minutos com o presidente.
O republicano, por sua vez, tem usado suas potenciais escolhas de vice, como os senadores J.D. Vance e Marco Rubio, para se aprofundar em políticas públicas -algo visto como uma fragilidade, em comparação a sua posição vigorosa.
Na média das pesquisas de intenção de voto nacionais, Trump está 1 ponto percentual à frente de Biden, segundo o agregador do site Real Clear Politics. Nos sete estados-chave (Arizona, Nevada, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Carolina do Norte e Geórgia), o republicano aparece na liderança por maior ou menor margem em seis deles, e há empate em Wisconsin.
Como vai ser o debate
O embate desta quinta-feira é o primeiro articulado diretamente pelas campanhas com um veículo de comunicação, sem passar pela Comissão de Debates Presidenciais, que há décadas assumia essa organização.
O evento será veiculado pela CNN às 22h (horário de Brasília) e moderado pelos jornalistas Jake Tapper e Dana Bash, duas estrelas da casa –a CNN Brasil também transmitirá. Serão 90 minutos no total, com dois intervalos comerciais -mas, mesmo nesses momentos, os candidatos não poderão ser contatados por assessores.
Não foram permitidas tampouco consultas a nenhum material. Biden e Trump terão acesso a apenas três itens: papel em branco, caneta e uma garrafa de água.
Outra novidade é o uso de microfones que podem ser desligados, para evitar cenas caóticas de debates passados em que um candidato fala por cima do outro. Cada um terá dois minutos para responder a uma pergunta, seguidos por um minuto de réplica e um minuto de tréplica. Ao final, ambos terão dois minutos para fazer uma fala final. Outro diferencial é que não haverá plateia no estúdio.
Na moeda, a campanha de Biden ganhou a opção de escolher entre a posição no palco ou a ordem das falas finais. Democratas preferiram garantir que o presidente ocupe o pódio da direita, e Trump terá o direito de fechar o debate.