Luiz Octávio Lucas
Hoje é dia de avistar nas ruas aquela infinidade de balões vermelhos em forma de coração com frases de amor vendidos pelos ambulantes. Também é dia de trabalho nas floriculturas, com as inúmeras encomendas de buquês de rosas com destino ao ser amado. Não tem jeito! Por onde se anda alguma cena vai lembrar que é 12 de junho, o Dia dos Namorados! E haja caixas de chocolates; embalagens de presentes; filas nas portas dos restaurantes para o jantar romântico; engarrafamentos nas entradas dos motéis para uma noite de amor; ou mesmo uma sessão lotada no escurinho do cinema… Sim, o amor está no ar! Resistente aos tempos modernos e às novas configurações de relacionamentos.
Aquelas cenas apaixonantes eternizadas nos filmes de Hollywood entre um belo casal hetero, hoje são apenas um exemplo dos muitos tipos de namoro que se pode cultivar nos dias atuais: tem casal homoafetivo; tem trisal – quando o relacionamento é vivido em trio; tem poliamor – quando se ama o parceiro fixo e os extraconjugais; tem quem namore consigo mesmo e tem até a agamia – quando não se pensa em casamento, ter filhos ou parceiros fixos. E quem dera amar viesse com manual de instruções. Se fosse assim, os versos “ainda encontro a fórmula do amor”, de Kid Abelha e Léo Jaime, já teriam tido a sonhada resolução.
Para a antropóloga Rachel Abreu, o amor é cultural. “É uma construção social. Ninguém nasce amando. Nós somos socializados a partir da cultura onde nós estamos. A gente constrói o amor, a afetividade, a partir do que a gente vê, a partir do contato, a partir do desejo, a partir do que a gente aprecia no outro, a partir das afinidades, das identificações que a gente encontra no outro, que a gente também quer pra si. Então, é uma construção cultural”, constata.
Rachel observa que a cultura, enquanto instituição social, vai nos educar a amar, a gostar, a fazer as nossas escolhas. “Esse amor evolui como construção cultural. É claro que ele vai ter as suas configurações, que vai depender de sociedade para sociedade, vai depender de cultura para cultura”, afirma.
Questionada sobre se todas essas formas de amor citadas no início desta reportagem sempre existiram, a antropóloga é taxativa. “Podemos dizer, antropologicamente, sociologicamente, que essas configurações de relacionamento podem sempre ter existido”, analisa. “Talvez elas não tenham sido visualizadas pelo rigor da época, pela censura social,
pela sociedade excludente, porque existe um padrão de relacionamento, existe um padrão cultural que estabelece a monogamia como relacionamento a ser seguido, e tudo que foge a essas configurações passa a ser visto como imoral, como relações que não são apreciadas”, frisa. “Mas, por trás e longe dos olhos da sociedade, essas configurações devem ter existido. Devem já vir na sociedade há muito tempo”, cita.
Mas, se já existem desde que o mundo é mundo, por que algumas pessoas se chocam ao ver formas de amar diferentes do tradicional eternizado nos comerciais “família de margarina?”. “Porque nós fomos educados a partir de uma cultura. A cultura, enquanto socialização, nos apresenta modelos, modelos divergentes, modelos que devem ser seguidos. E tudo aquilo que foge ao modelo que nós aprendemos o tempo todo a seguir, a ver como bom, como bem, como certo, vai haver um choque cultural. As distinções são elementos de conflito. As diferenças sempre foram razões de conflito na sociedade”, lembra a antropóloga. “Sempre existem normas e regras para estabelecer modelos. E quando há o estabelecimento de modelos, é claro que há exclusão”.
Rachel avalia que a sociedade é controlada por vários mecanismos, inclusive o amor. “As emoções são controladas também. Tanto é que existem as mulheres que amam demais, os homens que amam demais, que já desenvolvem, não um processo de transtorno.
mas uma dependência afetiva. Se existe uma dependência é porque há o quê? Um processo de emoção que não está controlado pelas regras que a sociedade estabelece e impõe como certas, como boas”.
Para Rachel, a dependência afetiva é que começa a interferir no coletivo. “No teu social, no teu trabalho, que já começa a interferir na tua vida, que já começa a interferir na tua identidade. Se existem esses padrões, existem o quê? O controle social de como amar, de como não amar, a relação dos relacionamentos abusivos, a violência”, cita, sobre outro aspecto tão comum para tantos relacionamentos.
Então para onde estamos caminhando? “Essa questão de para onde estamos caminhando, a questão do futuro, essas respostas a gente não tem”, admite. “A questão que é muito presente ainda na nossa sociedade é o exercício do amor romântico, que infelizmente traz um adoecimento também, porque tem a construção de que existe um príncipe, uma princesa, o felizes para sempre. É uma construção cultural que vem do processo midiático, na música popular brasileira, nos filmes, na novela, nos contos… e quando a sociedade consome, se enxerga neles, e quando isso não se concretiza vem o sofrimento”, ilustra.
“Aí vem a decepção, a desilusão, porque existe a idealização de ser feliz para sempre, que o outro não vai te fazer sofrer. É uma mentalidade ainda muito forte. E quando o desenlace acontece, vem o sofrimento. A reflexão é pensar que temos identidade, somos autônomos e podemos viver um amor mantendo nossa identidade, nossa autonomia, que podemos ser felizes sozinhos, que isso não é sinônimo de solidão”.
Rachel também responde outro questionamento comum: quem ama trai? “Fidelidade é uma escolha. Se existe a fidelidade é porque o amor romântico é um mito, ele não se sustenta, porque se começa a ter desejos por outras pessoas e somos cercados de pessoas interessantes”, considera. “Até que ponto somos leal ao nosso amor? Ao que nós sentimos? Como moralmente esses relacionamentos (extraconjugais) não são apreciados, a gente se esconde, mas existem o tempo todo”.
Portanto, o melhor mesmo é amar sem estabelecer regras. “É uma hipocrisia julgar no outro uma prática que você não tem. É uma contrariedade das emoções para manter um padrão de comportamento, aí você vive se violando”, descreve Rachel.
PING PONG
Além da antropóloga Rachel Abreu, também conversamos com o filósofo Henrique Juvenal Viana dos Santos sobre as questões que envolvem o Dia dos Namorados. O professor também é bacharel em teologia e mestre em ciências da religião. Confira a seguir!
– O que é o amor?
O Amor é a relação: de afeto, cuidado, respeito, bem-querer, paixão, sempre com um caráter eletivo, você escolhe e numa relação de reciprocidade tende a desenvolver-se
– Ele evolui?
O amor é gradativo, sempre quer algo mais, melhor e maior para seu amado. Ele precisa evoluir, caso isso não ocorra tende a morrer.
– Por que hoje vemos com mais frequência relacionamentos diversos como poliamoristas, trisais, tetrasais…? Isso sempre existiu ou só agora é mais evidente?
O Amor ao longo dos tempos e culturas, se manifesta de variadas formas, e não pode ser confundido com simples desejo de posse ou algo parecido, a vivência do amor é ato livre, e deve ser respeitado. O que devemos sempre é respeitar as opções sem julgamentos condenatórios.
– Por que as pessoas ainda se chocam ao ver formas diferentes de amar?
A diferença sempre é algo que precisa ser entendido, a reação de cada um dependerá de vários elementos, o que importa é o acolhimento, o respeito, a vivência com as diferenças deve ser também um gesto de amor.
– Existe certo e errado no amor?
O Amor exige: verdade, bondade e unidade, portanto existem parâmetros para o amor, o amor é mais próximo do que é certo, pois sempre é uma abertura para o bem de si e do outro.
– Para onde estamos caminhando?
Ao longo da história pode-se correr o risco do esquecimento das raízes mais profundas do amor. A descrença no amor e na esperança da felicidade pode ser perigosa. Mas sempre haverá alguém que deseja amar profundamente uma outra pessoa.
– Que reflexão o senhor deixa neste Dia dos Namorados?
Dia dos Namorados deveria ser um dia de reflexão sobre nossa capacidade de amar e ser amado, uma vida marcada pelo amor tem maior significado.
– Quem ama trai?
Quem ama não trai, quem já não ama trai, pois é da natureza do amor a realização com aquele ser amado ou amada.
– Amor e fidelidade precisam caminhar juntos?
O amor verdadeiro clama pela fidelidade, a mentira é inimiga do amor. Ainda que em tempos do amor-livre, o amor pede um certo exclusivismo e fidelidade. “tendo amado, amou até o fim”.