Cintia Magno
Quando as condições climáticas estão em discussão, a Amazônia quase sempre é colocada no centro do debate. Isso porque a floresta exerce papel fundamental para a regulação do clima global. Capacidade esta que é ameaçada quando há degradação ou desmatamento progressivo, o que pode afetar não apenas quem vive na região, mas também para quem está além dela.
Professora e pesquisadora no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), a cientista política internacionalista Marcela Vecchione considera que esse lugar estratégico da Amazônia para o regime Climático Global envolve uma integração que pode ser dimensionada em diferentes escalas, que vão desde o âmbito político, até o ponto de vista dos ciclos hidrológicos e do desenvolvimento de modelos econômicos locais que considerem a circulação de produtos em circuitos curtos e que propiciem a manutenção da floresta em pé.
No que se refere ao regime global do clima no âmbito político, Marcela destaca que a questão climática está muito ligada ao regime de decisões que advém de espaços como as Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, as COPs, além de outras decisões e regulações que compreendem não só os países que são signatários desses acordos, mas também outros atores como, por exemplo, os governos subnacionais, entes privados e os próprios cientistas.
São estes e outros arranjos que, segundo aponta a pesquisadora, vão tentar pensar formas de se buscar a regulação do clima global, as chamadas ações climáticas. “São ações que não estão diretamente ligadas à ação dos estados nacionais em si, mas que compõem esse regime de enquadramentos para tentar fazer com que a temperatura da Terra não aumente mais do que 1,5° até 2050, o que já se percebe que vai ser bastante difícil de ser conseguido”.
BIOMA
Para além de toda essa questão política, em que a Amazônia está fortemente presente, a pesquisadora considera que o lugar da Amazônia nesse processo também é muito central quando se pensa a partir do ponto de vista meteorológico e dos próprios regimes hídricos e hidrológicos do planeta.
“Ao que toca ao bioma amazônico mesmo, a floresta tropical em todas as suas variações é a área mais biodiversa do mundo e a maior porção dessa área biodiversa do mundo está no território brasileiro, está na porção de bioma amazônico no território brasileiro, o que torna importante o papel do Brasil no processo da construção e do desdobramento do regime climático global do ponto de vista político, no posicionamento no Globo e no posicionamento na região amazônica também”, considera. “Porque a floresta tropical úmida é importante? Ela é importante no regime climático global no âmbito político, mas também no ponto de vista dos ciclos hidrológicos e da própria biodiversidade”.
Marcela destaca que os climatologistas já apontam a importância da Amazônia para a manutenção das massas de ar úmidos que possibilitam que se tenha esse ciclo de alimentação hidrológica, mais especificamente, na porção subcontinental sul-americana. Mas ela lembra que o movimento contrário também é real: a porção subcontinental sul-americana também tem um papel na regulação do clima em outros lugares.
“A catástrofe climática que está acontecendo no Rio Grande do Sul tem relação, por exemplo, com o que aconteceu na Amazônia no ano passado. Naquela questão das secas no Norte, os rios baixaram muitos níveis. Isso significa que você vai ter uma menor reserva de umidade em uma época específica, então, a própria regulação de pressão, que é o que leva a chuva de um lugar para o outro, é impactada”, relaciona.
“Não dá para a gente pensar esses fenômenos climáticos em isolamento. As coisas são dinâmicas. E existem dinâmicas climáticas do ponto de vista científico mais duro, mas também existem dinâmicas climáticas da perspectiva dos movimentos sócio político-econômicos, das tomadas de decisão que vão, muitas vezes, levar a autorização do avanço dessas frentes econômicas”.
Marcela lembra que mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil estão relacionadas à mudança de uso da Terra, o que está relacionado à conversão de vegetação nativa.
Nesse sentido, um movimento que busque flexibilizar a legislação ambiental brasileira no sentido de deixá-la menos protetiva às áreas de vegetação nativa – o que poderia impactar a manutenção da floresta em pé e da biodiversidade, que estão ligadas à manutenção dos ciclos hidrológicos – são um exemplo de como a questão legislativa e política também estão relacionadas ao lugar estratégico que a Amazônia exerce não só no regime climático Global, mas também para o bem-estar, para a qualidade de vida e para a garantia de direitos das pessoas que vivem na Amazônia.