Cintia Magno
A perspectiva de fazer o seu próprio horário de trabalho, de não precisar se reportar à chefia e, ainda por cima, ter uma renda maior foi o que levou Antônio Reis, 41 anos, a decidir fazer do transporte de passageiros mediado por aplicativo uma profissão, há sete meses. O que ele não esperava era que as jornadas precisariam ser tão extensas e que o retorno financeiro, diante dos custos com a manutenção do veículo, não fosse tão atrativo. A realidade vivenciada por Antônio é revelada no estudo ‘Plataformização e Precarização do Trabalho de Motoristas e Entregadores no Brasil’, que compõe a 77ª edição do Boletim Mercado de Trabalho, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De acordo com a pesquisa, o trabalho mediado por aplicativos teve como consequência jornadas de trabalho mais longas, diminuição na contribuição previdenciária e forte queda da renda média desses trabalhadores nos últimos anos. Entre 2012 e 2015, o estudo aponta que o total de motoristas autônomos no setor de transporte de passageiros (não incluídos os mototaxistas) era cerca de 400 mil e o rendimento médio ficava em torno de R$ 3.100,00. Já em 2022, o total de ocupados nessa modalidade passou para quase 1 milhão. Porém, o rendimento médio passou a ser inferior a R$ 2.400,00.
Em outra categoria analisada pela pesquisa, a dos entregadores plataformizáveis – que contempla motociclistas, entregadores e condutores de bicicletas – o número de trabalhadores era de 56 mil pessoas em 2015, quando a renda média obtida por eles era de R$2.250,00. Já em 2021, o número de trabalhadores desse tipo no Brasil saltou para 366 mil entregadores, com uma renda média de R$1.650.
A adesão ao trabalho mediado por aplicativos foi planejada por Antônio Reis, 41 anos. Há pouco mais de um semestre, ele iniciou uma jornada diária de trabalho que inicia às 6h e encerra apenas às 17h. “Eu planejei isso, mas não está sendo bem o que eu esperava. Eu achava que ia ser melhor. O que tô percebendo é que esse trabalho acaba favorecendo mais o aplicativo do que o trabalhador”, considerou, enquanto aguardava a chegada de um passageiro no bairro de Batista Campos. “Não é ruim, mas eu achava que ia ser melhor”.
Entre os fatores que fazem com que o faturamento não seja o esperado, Antônio destaca o alto custo com a manutenção do carro. “O custo é muito alto. Não é nem a gasolina, mas a manutenção do veículo mesmo que é muito alta. Fica até difícil ter uma ideia exata de quanto a gente faz por mês porque tem toda a manutenção que não é barata”.
Com um custo de manutenção menor pelo veículo que utiliza como ferramenta de trabalho, a moto, o motorista Robson Lima, 38, vê mais vantagens do que desvantagens no trabalho mediado por aplicativo. Ele está na área há cinco meses e não pretende voltar para o trabalho com carteira assinada. “Está melhor do que com a carteira assinada”, acredita ele, que era técnico de telecomunicações antes de seguir para a área do transporte de passageiros por aplicativo. “Já me chamaram para voltar a trabalhar como técnico de telecomunicações, com carteira assinada, mas eu não quis”.
Robson conta que, trabalhando de 8h às 11h e de 15h30 às 18h, todos os dias, ele consegue obter uma renda média mensal de R$ 4 mil, valor muito superior ao salário mensal de R$2.145 que ele recebia quando trabalhava no regime celetista. “A moto é mais vantagem que o carro porque o custo de manutenção é bem menor. Hoje as pessoas também estão pegando mais moto do que carro porque o trânsito em Belém está muito fechado e a moto é agilidade”, considera. “Para mim foi melhor. Eu tento fazer disso uma profissão mesmo, tanto que eu mandei fazer o crachá com o QR Code pra pessoa já pagar certinho e não ter risco de enviar pro número errado”.
Em outra frente de atuação que também cresceu significativamente nos últimos anos, Iarley Martins, 21 anos, trabalha como entregador por aplicativo, rodando sempre de bicicleta. A jornada de trabalho mantida há quatro anos é de 15 horas diárias. “Eu começo 7h e largo só 22h. É uma rotina corrida, mas dá pra fazer uma boa renda”.
Apesar de considerar que o trabalho como entregador ainda é vantajoso, Iarley avalia que quando ele iniciou na área, em 2020, o cenário era mais favorável do que o visto hoje. “Antigamente era melhor. A gente fazia uma renda melhor. Hoje tem muito entregador na rua e aí diminuiu a renda. Ainda dá pra fazer, mas antes era mais”.
PANORAMA
CONFIRA ALGUNS DOS NÚMEROS EVIDENCIADOS PELA PESQUISA
l Entre os motoristas autônomos no setor de transporte de passageiros (não incluídos os mototaxistas), a proporção de trabalhadores com jornadas entre 49 e 60 horas semanais passou de 21,8% em 2012 para 27,3% em 2022.
l Em 2015, pouco menos da metade dos motoristas de passageiros (47,8%) contribuía com a previdência, percentual que despencou para somente 24,8% em 2022.
l Após 2018, quando o estudo aponta que houve um crescimento expressivo de pessoas na atividade de entregadores por aplicativo, houve retração da proporção de trabalhadores com jornadas entre 40 e 44 horas e aumento da quantidade dos que atuavam por mais de 49 horas semanais.
l A contribuição previdenciária dos entregadores plataformizáveis não formais também caiu: entre 2012 e 2018, 31,1% deles contribuíam, enquanto de 2019 a 2022 essa média se reduziu para 23,1%.
Fonte: Estudo ‘Plataformização e Precarização do Trabalho de Motoristas e Entregadores no Brasil’ – 77ª edição do Boletim Mercado de Trabalho – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).