O medo e, principalmente, a repulsa são sensações que paulatinamente dominam a narrativa de “Imaculada”. Uma construção que, embora seja lenta para os atuais padrões de Hollywood, é bastante eficaz em sua proposta de funcionar como um “O bebê de Rosemary” às avessas, apostando na força e no carisma de sua protagonista para lidar com uma ameaça, em princípio apenas no campo psicológico, que procura destruir uma ordem moral pré-estabelecida, até chegar ao ponto de ruptura da “homenagem” ao clássico de Roman Polanski e se entregar a um verdadeiro banho de sangue no clímax.
Aqui, Sydney Sweeney interpreta Cecilia, uma noviça norte-americana que se torna freira em um convento no interior da Itália. Desde jovem ela busca um sentido para a vida, já que, ao cair em um lago congelado e se afogar, ficou sete minutos sem batimentos cardíacos, sendo ressuscitada após esse período. Casta, ela se surpreende ao descobrir uma gravidez e passa a ser tratada por todos no convento como a mãe do Salvador que irá retornar ao mundo. Seria essa a sua missão? Ser a nova mãe do filho de Deus?
O tom do filme é claustrofóbico e desde o início fica claro que o convento é um lugar perigoso. Mas, ainda que o prólogo fosse suprimido, a cena de Cecilia beijando o anel do cardeal, com uma leve hesitação em optar pela submissão em seu ordenamento, já revelaria a opressão daquele ambiente, que deveria ser acolhedor. Assim como as conversas dela com superiores e colegas, sempre exalando intimidação ou alertas disfarçados em vozes de veludo. Não há respiro. A direção de Michael Mohan explora bem a arquitetura do local nesse aspecto, ora trabalhando os seus cantos escuros, com enquadramentos fechados, ora revelando o quão isolado é o convento, o que só faz aumentar a angústia de Cecilia – e do espectador.
A grande questão do filme – o que Cecilia traz no ventre? – é basicamente o que Noëll Carroll chama de impureza do horror. Sim, pois “Imaculada” não foca em nenhum momento na ambiguidade, de que a criança poderia ser “normal”. Pelo contrário, vários elementos são inseridos para causar nojo em relação àquela situação vivenciada por Cecilia. Ela vomita o próprio dente, as unhas ficam apodrecidas, etc. Ou seja, é uma experiência antinatural. Ela passa por uma “fusão”. Embora não vejamos, esteja no caráter da imaginação, há ali a formação de uma criatura aterrorizante que se combinou a Cecilia.
Além disso, o filme flerta com o “nunsploitation”, subgênero que explora a figura de freiras católicas, só que com tintas carregadas na sexualidade e sadismo, o que nem de longe é o caso aqui. “Imaculada”, nesse aspecto, apenas carrega uma crítica ao fanatismo religioso e à subordinação da mulher, especialmente na Igreja. E sempre no subtexto, jamais explicitamente. O que importa é, de fato, a construção do horror e como se dá a sua transformação do campo psicológico para o físico, com Cecilia levada ao limite.
Essa transformação é uma catarse e Sydney Sweeney pode ser considerada a grande responsável por isso. Inicialmente interpretando Cecilia de forma contida e amedrontada, com olhar curioso e um toque de insegurança, ela nos aproxima da sua personagem. Com o passar do tempo, o fato de ela jamais ser uma espectadora passiva, de aceitar o que lhe é imposto, de questionar e lutar pela sua sobrevivência e contra a insanidade, tira-lhe a pecha de mocinha indefesa e só faz aumentar sua complexidade – e importância para o público. E Sweeney abraça esse horror com uma fisicalidade que impressiona. Ela corre, se contorce, surta, exagera brilhantemente nas expressões de dor e desespero, se banha em sangue, suor e lágrimas, e, por fim, se converte em uma nova Rainha do Grito do cinema de horror.
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- “Imaculada” está atualmente em cartaz nos cinemas.
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